BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A menos de três meses do fim de 2024, é majoritária a percepção de analistas do mercado financeiro de que o governo tende a cumprir ou pelo menos se aproximar do limite inferior da meta de resultado primário deste ano, de um déficit de R$ 28,8 bilhões.
Isso não tem sido suficiente, porém, para dissipar temores sobre o risco fiscal do país diante da desconfiança sobre a estabilização da trajetória da dívida bruta do governo no curto prazo.
Por trás disso, segundo economistas ouvidos pela Folha, está a perda de relevância da meta de primário como parâmetro para medir o esforço fiscal do governo. A exclusão de despesas desse resultado se destaca entre os motivos que embasam a percepção.
No último relatório bimestral do Orçamento, o governo estimou um déficit com descontos em R$ 28,3 bilhões em 2024, em linha com o piso da meta. O rombo efetivo calculado para este ano, no entanto, alcançou R$ 68,8 bilhões.
O resultado maior incluiu as despesas de combate à calamidade no Rio Grande do Sul e às queimadas, além de despesas com precatórios (sentenças judiciais) não computadas na meta fiscal. Os especialistas chamam esse dado efetivo de resultado fiscal cheio.
“Não vou dizer que a meta perdeu completamente importância, mas ela sai enfraquecida com essas despesas que ficam fora do seu escopo”, afirma Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management e colunista da Folha.
Ela diz que é o resultado primário como um todo que influencia a trajetória da dívida bruta, destacando que são necessários superávits recorrentes para conseguir trazer estabilidade para o endividamento. Para esse cenário se concretizar, afirma, são demandadas medidas estruturais de controle de gastos. “Se só contarmos com redução de fraude e pente-fino, não vamos conseguir.”
Srour avalia que as indicações são de que a discrepância entre o resultado primário usado como meta e o efetivo tende a seguir nos próximos anos. Ela afirma que, apesar do acordo entre o STF (Supremo Tribunal Federal) e o governo para que todas as despesas de precatórios sejam incluídas na meta fiscal a partir de 2027, há certo ceticismo no mercado em relação a seu cumprimento.
O economista Pedro Schneider, do Itaú Unibanco, afirma que, além das despesas retiradas explicitamente da conta, há preocupação com políticas públicas sendo propostas fora do Orçamento, a exemplo da pretensão de turbinar o Auxílio Gás.
Schneider diz que o processo de enfraquecimento das regras fiscais brasileiras não é uma novidade. As experiências anteriores, afirma, mostram que o caminho não costuma ser disruptivo. “Em vez de mudar a regra fiscal inteira, os governos vão e mudam o que entra na contabilização da regra.”
Fora as despesas excluídas, a “estatística paralela” do governo para atingir o piso da meta também considera o efeito positivo extraordinário de R$ 8,6 bilhões esquecidos em contas bancárias e outras instituições, acrescenta o economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos. “Será o resultado do Banco Central menos as despesas que estão como exceções e mais essa receita”, diz.
Ele complementa que, embora não tenha impacto fiscal, o uso de fundos públicos para financiar empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem efeito sobre a trajetória da dívida bruta e corrobora essa percepção de perda de relevância da meta como parâmetro.
Sbardelotto afirma ainda que o governo não tem mirado no centro da meta de primário, que seria de zerar o déficit. “Se houver sempre essa facilidade de a qualquer momento mirar sempre no limite inferior em vez do centro, por que ter o centro de uma meta?”, diz o economista.
Nesta terça-feira (15), a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) confirmou que o governo trabalha em uma proposta de revisão de gastos estruturais. No dia seguinte, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que essa é uma agenda prioritária até o fim deste ano e que o desenho está bastante avançado.
O ministro não detalhou qual a expectativa de economia de gastos com a revisão e nem quais são as medidas que serão propostas, mas afirmou que a equipe econômica mira em uma “dinâmica suficiente para garantir vida longa ao arcabouço fiscal”.
Haddad também declarou que o resultado fiscal deste ano está muito melhor do que indicavam as projeções do mercado, mesmo considerando a calamidade no Rio Grande do Sul.
Em setembro, ao comentar em uma entrevista a exclusão da meta fiscal das despesas com a calamidade no Rio Grande do Sul e com as queimadas, o secretário-executivo do Ministério do Planejamento, Gustavo Guimarães, afirmou que ninguém esperava eventos climáticos dessas proporções.
Ele lembrou que o crédito extraordinário é um instrumento já previsto na Constituição e que a própria lei do arcabouço fiscal o exclui do alcance do limite de gastos.
MARIANNA GUALTER / Folhapress