Art Basel Paris busca status de Olimpíadas da arte em cenário de crise

PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Uma diretora de museu qualificou a Art Basel Paris como a “Cannes da arte contemporânea”, em referência ao festival de cinema. Mas talvez a analogia mais precisa fosse com o clima de Jogos Olímpicos: até este domingo, Paris é a capital mundial da arte, com obras, exposições e palestras por toda a cidade.

É a primeira vez que a sede principal da feira está sob a cúpula de vidro monumental do recém-restaurado Grand Palais, ao lado da icônica avenida dos Champs-Elysées. Onde apenas dois meses atrás brilhavam esgrimistas e lutadores de taekwondo, agora expõem artistas plásticos do mundo inteiro, nos estandes das quase 200 galerias presentes.

O megaevento é uma afirmação da pujança do grupo suíço MCH, dono da marca Art Basel, feira que nasceu, como o nome indica, na cidade suíça de Basileia, em 1970. Com os anos, ganhou filhotes em Miami, Hong Kong e, desde 2022, Paris. A Art Basel Paris tomou o lugar da antiga Feira Internacional de Arte Contemporânea (Fiac), que existiu de 1974 a 2021.

É uma evidência do poderio cada vez maior das galerias internacionais, assumindo papéis antes reservados aos museus. Curadores de instituições prestigiosas foram cooptados pelo setor privado, como forma de angariar credibilidade. A serviço das galerias, organizam mostras e publicam revistas e catálogos primorosos.

No final de 2022, a galeria parisiense Mennour contratou Sylvie Patry, diretora de conservação do Museu d’Orsay, dono do maior acervo impressionista do mundo. A notícia caiu como uma bomba no mundo da cultura francesa, mas não foi um caso isolado. Nos últimos anos, especialistas renomados como Paul Schimmel (Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles), Julia Peyton-Jones (Serpentine, de Londres) e Andrea Hickey (Museu de Arte Contemporânea de Cleveland) trocaram suas instituições por galerias. “Meu coração pertence ao século 19, mas vivos ou mortos, são todos artistas”, disse Patry na Art Basel, sobre sua transição da arte impressionista para a contemporânea.

A preponderância crescente das galerias de arte também seria reflexo da perda de recursos dos museus, apesar da volta do público, finda a pandemia. Dois terços dos 310 diretores de museus ouvidos pela associação britânica ArtFund relataram preocupação com o corte de verbas, sobretudo de doadores privados.

Essa “privatização” não é um fenômeno negativo, segundo Patry, para quem o trabalho de divulgação das galerias complementa o dos museus. Ela lembra o caso do marchand francês Paul Durand-Ruel, que mais de um século atrás acreditou em nomes como Degas, Manet, Monet, Pissarro e Sisley, muito antes que se tornassem o cânone. Nem sempre, porém, o mercado de arte é o ambiente mais favorável para transgressões. Na Art Basel Paris, chama a atenção a falta de obras em referência aos conflitos do mundo atual.

Para um dos convidados a palestrar na Art Basel Paris, Manuel Segade, diretor do Museu Rainha Sofia, de Madri, os museus podem se afirmar como esse espaço de transgressão. “O compromisso de uma instituição pública tem que ser exatamente fazer tudo aquilo que não pode acontecer no domínio privado”, afirmou.

Em tempos de polarização ideológica, isso nem sempre é fácil. A curadora Emma Lavigne contou o caso de uma exposição que ela organizou no ano passado no Palais de Tokyo, centro cultural em Paris. Os quadros provocadores da artista plástica suíça Miriam Cahn geraram uma virulenta reação nas redes sociais. Um deles, que parecia representar uma criança sendo forçada a uma felação, foi vandalizado por um ativista. “Em breve será impossível exibir corpos nus. Pensei: vou passar a expor só arte abstrata”, ironizou.

Lavigne é a diretora-geral da Coleção Pinault, instituição privada que transformou a antiga Bolsa de Comércio de Paris em um dos melhores museus de arte moderna e contemporânea da Europa. Em paralelo à Art Basel, ela montou uma mostra sobre a “Arte Povera” (literalmente, “arte pobre”) italiana, movimento artístico dos anos 1960 que contestava a sociedade industrial.

Manuel Segade, do Rainha Sofia, lamentou que os museus de hoje sejam “aeroportos”, com raio X na entrada e forte esquema de segurança, o que intimida o público, na opinião dele. Porém, questionado pela Folha sobre a recente decisão da National Gallery de Londres de proibir a entrada de líquidos, justamente para evitar os cada vez mais frequentes episódios de vandalismo, Segade reconheceu que é um imperativo de segurança: “Se os museus adotam, é porque é uma necessidade. Agora nos aeroportos há câmeras que olham dentro das bolsas sem precisar abri-las, por que não nos museus? Há outras formas de controle, mas também é preciso estudar a legalidade.”

O cenário grandioso da Art Basel Paris serve também como uma injeção de ânimo para o setor. “O mercado de arte está em pane há vários meses, desde o começo da guerra em Gaza”, afirmou a revista Le Journal des Arts. Segundo o jornal Le Monde, os marchands estimam em 30% a queda do faturamento este ano.

Com isso, o ingresso para a Art Basel Paris é caro (44 euros, cerca de R$ 270), mas para quem não pode pagar há toda uma programação paralela gratuita. Obras de arte foram dispostas em vários pontos da capital francesa. As que mais viralizaram foram o cogumelo de 3 metros de altura do alemão Carsten Höller, na sofisticada praça Vendôme, e uma escultura de Niki de Saint Phalle no pátio do Instituto da França.

A arte brasileira também está exposta nas ruas de Paris: esculturas do mineiro Amílcar de Castro (1920-2002) foram instaladas pelas galerias Marilia Razuk e Almeida & Dale, nos jardins do Palais Royal, a dois quarteirões do Museu do Louvre.

ANDRÉ FONTENELLE / Folhapress

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