WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Não há cientista político, estrategista eleitoral, instituto de pesquisa ou bilionário sul-africano que realmente saiba quem vai ganhar a eleição dos EUA. Quem pode dar o melhor chute são os 320 mil moradores do pequeno condado de Northampton, na Pensilvânia.
Desde 1912, o resultado da eleição na região, localizada ao norte da Filadélfia, coincide com o placar final geral. Apenas três vezes (1968, 2000 e 2004) as escolhas divergiram. Em 2020, Joe Biden superou Donald Trump por uma diferença de pouco mais de 1.200 votos.
A maior cidade do condado, Bethlehem, foi sede de uma das grandes siderúrgicas americanas. Fundada no século 19, a empresa fechou as portas em 2003. Hoje, os principais setores da região são saúde, indústria, e transportes e galpões. A Amazon, com seus centros de distribuição, é a terceira maior empregadora.
Quem sentiu o baque foram principalmente famílias de renda baixa, a chamada classe trabalhadora nos EUA. Ali, como no resto do país, ficou mais difícil para esse grupo ascender socialmente.
É o que mostra um estudo da Opportunity Insights, vinculada a Harvard, a partir da comparação das trajetórias de 57 milhões de pessoas nascidas em 1978 e 1992 em todo os EUA. Nesse período, a distância entre famílias brancas de menor e maior renda cresceu 28%. Ao mesmo tempo, a lacuna racial entre as mais pobres encolheu 27%.
Aos 27 anos, uma pessoa nascida em 1992 em uma família de renda baixa em Northampton recebia 10% menos do que alguém nascido em 1978 quando tinha a mesma idade. Se ela for branca, o valor caiu 11%. Se for negra, subiu 20%.
No condado de Luzerne, ao noroeste de Northampton, a história é parecida. A principal diferença é que, lá, Trump venceu em 2020 por uma diferença de 14 pontos percentuais. A geografia explica: saindo dos enclaves democratas de Pittsburgh e Filadélfia, quanto mais se aprofunda no estado, mais republicano -ou Alabama, como disse o famoso estrategista James Carville- ele fica.
É nessa zona de fronteira entre um e outro, nos subúrbios das grandes cidades, que Kamala Harris e Donald Trump travam a batalha que pode decidir o futuro da Casa Branca. Com 19 votos no colégio eleitoral, o maior número entre todos os estados-pêndulo, uma vitória na Pensilvânia é vista como crucial pelas duas campanhas.
OS SUBÚRBIOS
A estratégia do republicano é aumentar sua vantagem nas áreas rurais, onde domina com folga, e tentar conquistar mais votos nas margens dos centros urbanos do que em 2020. Joga a favor de Trump a insatisfação dessa população com a situação econômica nos últimos quatro anos e a piora nas perspectivas de ascensão social nas últimas décadas.
Embora a geração de emprego tenha batido recordes durante o governo Biden, em grande medida em resposta a estímulos dos pacotes bilionários de infraestrutura e energia verde, a disparada de 20% da inflação nos últimos quatro anos corroeu praticamente todo o aumento da renda. Para a população, a sensação é de estagnação.
Não à toa, as principais propostas para a economia do empresário são cortes de impostos -nas últimas semanas, ele incluiu horas extras no rol de isenções prometidas- e imposição de tarifas sobre importações, principalmente vindas da China, com o intuito de estimular a indústria americana.
Reduzir a carga tributária é uma agenda clássica republicana, explica a economista Tara Watson, diretora do Centro de Segurança Econômica e Oportunidade da Brookings e secretária-adjunta para análise microeconômica do Tesouro dos EUA no governo Obama.
“A parte populista da plataforma de Trump é que ele está menos interessado em combinar isso com cortes de gastos. O Partido Republicano tradicional teria pressionado por grandes reduções na Previdência Social e no Medicare para manter um nível de dívida mais razoável”, diz.
“A proposta de tarifas, ou protecionismo comercial, não é algo tradicional que o partido costumava apoiar, mas acho que atrai alguns públicos”, completa.
A CASA PRÓPRIA
A inflação nos últimos anos afetou uma área central do sonho americano: a casa própria. Com a subida de juros pelo banco central, a oferta de imóveis mais baratos caiu, e os preços subiram.
“Meus pais tinham 26 e 28 anos quando compraram a primeira casa deles, em 1986, por US$ 50 mil. Agora, se você encontrar uma casa por menos de US$ 230 mil, é sorte”, diz Katie Kennedy, 29, nascida e criada em Pittsburgh. Sua mãe era professora de arte do ensino médio e o pai, de história, antes de se tornar auxiliar jurídico.
A jovem ganha US$ 38 mil por ano trabalhando na universidade em que faz mestrado. Fora isso, ela tem uma dívida estudantil de US$ 18 mil, cuja cobrança está atualmente suspensa.
Ela não tem a menor dúvida de que vai votar em Kamala. Quando perguntada sobre as propostas econômicas da candidata, Katie elenca subsídios para compra de imóveis e perdão da dívida estudantil como as mais importantes.
Ser uma presidente da classe média e promover o que chama de economia da oportunidade são as duas ideias centrais da vaga agenda econômica da atual vice-presidente. “Os detalhes têm sido bastante escassos em ambas as campanhas”, diz Watson.
Como Trump, Kamala também promete cortes de impostos -mas focados em famílias de renda mais baixa. Fora isso, ela pretende construir 3 milhões de casas para reduzir o déficit habitacional e ampliar subsídios já adotados no governo atual.
“Acho que a maior diferença dela em relação ao Biden é a economia do cuidado. Ela fez um anúncio recente para cuidado de idosos, imagino que isso se expanda também para crianças e licença familiar”, afirma a economista da Brookings.
COM E SEM DIPLOMA
É via brancos com diploma universitário, como Katie, que democratas tentam contrabalançar a força do trumpismo entre aqueles sem ensino superior. O peso da formação educacional é uma das principais clivagens do eleitorado neste ano.
Hoje, o republicano é apoiado por pouco mais de um terço desse grupo na Pensilvânia, oito pontos percentuais a menos do que em 2020, segundo pesquisa do Wall Street Journal.
Um outro levantamento no estado, feito a pedido do Center for Working Class Politics, mostra Kamala com 36% das intenções de voto entre trabalhadores braçais, 48% entre os de serviços e administrativos, e 47% entre profissionais especializados. Trump tem 56%, 42% e 45%, respectivamente.
Giles Grinko foi diretor de política da seção do oeste do centenário Sindicato Internacional dos Pintores, organização com mais de 140 mil integrantes entre os EUA e o Canadá. Próximo dos 70 anos, o democrata, que já fez campanha por Obama e Hillary, não consegue entender a adesão ao trumpismo entre trabalhadores.
“Vai ser muito difícil. Eu espero que Kamala vença com uma grande margem, mas não vejo isso acontecendo. Eu não sei por que as pessoas estão pensando [em votar em Trump]”, diz ele, consternado.
“Eu cumpri meu dever, lutei a batalha. Se você não vai lutar a batalha que eu lutei para chegar onde estou hoje, não vejo como você vai conseguir. Eu fiquei tão feliz com a vitória de Obama, os jovens adultos realmente foram com tudo, tinha uma energia inacreditável. Eu não vejo isso agora.”
FERNANDA PERRIN / Folhapress