Santos revive 2º turno após 20 anos com padrinhos de peso e Tarcísio dividido

SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – Rogério senta na cadeira do dentista e mostra aos jornalistas como atendia os pacientes nos tempos em que exercia a antiga profissão. “O braço ia aqui por fora”, diz, enquanto faz um gancho com os dedos e finge segurar uma bochecha.

A cena compõe a imagem que Rogério Santos (Republicanos) tenta colar em busca da reeleição como prefeito de Santos: um político moderado, com longa trajetória e experiência no poder público.

Naquela quarta-feira, quando a Folha esteve na cidade, ele cumpria agenda numa policlínica inaugurada em sua administração.

“Tudo o que eu projetei nesses quatro anos como prioridade foi entregue. É um trabalho intenso, que tem que continuar”, afirma o prefeito.

Poucas horas depois, a quilômetros dali, sua adversária no segundo turno, a deputada federal Rosana Valle (PL), mostrava outra face da cidade em caminhada pela degradada região do Mercado Municipal, que aguarda revitalização. Em busca da vitória, a parlamentar alega que a gestão gasta mal o Orçamento, com obras de má qualidade e “intermináveis”.

“A gente percebe que a cidade, administrada há quase 30 anos pelo mesmo grupo, formou uma rede de favorecidos”, diz ela. “Eles sempre venceram as eleições de uma maneira fácil porque sempre fizeram acordos políticos. E a cidade acabou ficando refém.”

Depois de 20 anos, Santos terá novamente um segundo turno. Com uma coligação de dez partidos, Rogério terminou o primeiro com 43,29% dos votos, pouco à frente de Rosana, com 42,65%.

Ambos contam com padrinhos políticos de peso. Depois de ter atuado como dentista na Prefeitura de Cubatão, na Baixada Santista, Rogério tornou-se assessor parlamentar do então deputado estadual Paulo Alexandre Barbosa (PSDB). Em seguida, foi secretário de Governo durante a gestão do tucano na Prefeitura de Santos (2013-2020).

Barbosa, reeleito em 2016 com quase 78% dos votos, tem largo capital político e ampla base de eleitores.

Rogério, seu sucessor, tenta garantir a transferência de votos, usando a imagem do ex-prefeito em suas peças eleitorais. Nas bandeiras espalhadas pela cidade, o candidato aparece à frente, e Barbosa, atrás. Para quem não conhece a chapa, parece que é ele o vice de Rogério -e não a vereadora Audrey Kleys (Novo).

Já Rosana foi eleita deputada federal por São Paulo em 2018, depois de ter trabalhado por mais de 20 anos como repórter e apresentadora da TV Tribuna, afiliada da Globo. Trocou o PSB pelo PL e aproximou-se do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e de sua mulher, Michelle Bolsonaro.

Bolsonaro fez uma série de gestos e declarações favoráveis à parlamentar, e o casal participou do lançamento de sua pré-candidatura em Santos, em julho. A campanha da candidata o aguarda para nova agenda na próxima quarta-feira (23).

Uma figura importante na política estadual, porém, permanece em cima do muro -o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que mais uma vez se nega a escolher entre a centro-direita e o bolsonarismo.

Desde a pré-campanha, Tarcísio afirmou que manteria neutralidade em Santos. De forma geral, ele não se posicionou nas cidades onde havia candidaturas próprias do Republicanos e do PL, evitando bola dividida com Bolsonaro, seu padrinho político. A decisão foi interpretada pela cúpula de sua legenda como um gesto não partidário.

Enquanto isso, Rogério e Rosana disputam proximidade com o governador e utilizam gravações antigas ao lado de Tarcísio em peças publicitárias.

O prefeito conta que conheceu o correligionário quando Tarcísio atuava no Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), durante o governo Dilma Rousseff (PT), época em que trataram de projetos para a cidade.

Em outubro do ano passado, Rogério trocou o PSDB pelo Republicanos -um convite que, segundo ele, envolveu Tarcísio e as cúpulas nacional e estadual do partido.

“Eu tenho no governador Tarcísio essa grande referência. Quando eu vou lá, a gente faz as reuniões e acaba ficando algumas horas se estendendo, discutindo os projetos. Essa parceria é muito legal, um diálogo de dois gestores públicos”, diz o prefeito.

Já Rosana foi cotada por Tarcísio para ocupar sua vice ainda em 2022, quando migrou para o PL. Com a aproximação de Gilberto Kassab ao longo da campanha do governador, o posto acabou ficando com o PSD, presidido pelo aliado.

Ainda assim, a parlamentar trabalhou pela candidatura de Tarcísio na Baixada Santista, participou da transição de governo e foi cogitada para duas secretarias -ela afirma, porém, que achou melhor continuar na Câmara dos Deputados.

“Nós ficamos amigos. Tem dezenas, centenas até, de entrevistas dele me elogiando. ‘A senhora é uma gigante, a senhora tem me ajudado muito, a senhora não sei o quê’. A gente fez essa parceria”, diz.

Pessoas próximas ao governador afirmam que, ao adotar uma posição de neutralidade em disputas no estado, ele tenta manter o apoio de prefeitos aliados e de deputados da base na Assembleia Legislativa.

No caso de Santos, ao firmar boas relações com os dois candidatos, Tarcísio garante pontes em um município estratégico, com obras importantes, como o túnel Santos-Guarujá, tocado pelo estado em parceria com o governo federal.

Ambos os candidatos dizem respeitar a (não) posição de Tarcísio. “O governador está buscando esse equilíbrio”, diz Rogério. “Dentro da Assembleia Legislativa, dentro da sua base de governo. Tem que ter esse respeito e essa visão.”

Rosana afirma que a situação do governador é delicada, mas que sabe que conta com sua confiança. “Isso é inquestionável. Vou ter o estado como meu grande parceiro. Isso para mim é suficiente”, diz.

“Existem comprometimentos partidários? Infelizmente. Talvez ele não tenha essa autonomia para decidir o que o coração dele quer.”

Nas ruas de Santos, pouco se percebe o período eleitoral -a não ser pelas bandeiras fincadas pelas campanhas nas grandes avenidas e praças da cidade. A cidade teve quase 30% de abstenção, eleitores que agora os candidatos miram na reta final.

Também há votos a serem disputados entre os apoiadores da petista Telma de Souza, que atingiu 13% dos votos no primeiro turno.

O mapa eleitoral mostra o município dividido. Rogério foi melhor na zona noroeste e nos morros, junto à população de baixa renda, beneficiada com obras e equipamentos de sua gestão e da anterior. Rosana foi bem nas áreas mais ricas, mais próximas à ponta da praia, impulsionada pelo que ela se refere como “voto de opinião”.

ANA LUIZA ALBUQUERQUE / Folhapress

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