SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Repugnantes para muita gente, fascinantes a outras tantas, as aranhas assustam espectadores de cinema há décadas, desde clássicos como “Tarântula” em 1955, passando pelo incontornável “Aracnofobia” em 1990 e chegando à inevitável comicidade de produções como “Maldita Aranha Gigante”, de 2013. O subgênero de aracnídeos mortais nunca saiu de moda, mas é sintomático que 2024 tenha dois títulos fortes com as assustadoras criaturas de oito patas: o australiano “Sting – Aranha Assassina”, inédito no Brasil, e o francês “Infestação”, em cartaz.
Bom produto de artesania, “Infestação” calcula os níveis de tensão usando ensinamentos básicos de Steven Spielberg em “Tubarão” de não entregar o monstro de imediato e deixar a plateia sentir aquela presença constante com o temor de ameaça a espreitar cada espaço. Se o antagonista é um bichinho pequeno, ágil, que gosta de cantos escuros e pode desaparecer da sua vista numa única piscada dos olhos, a iminência do perigo é mais potencializada.
Não que o jovem diretor Sébastien Vanicek, de pouco mais de 30 anos, esconda por muito tempo as estrelas de seu filme. Há centenas de milhares de aranhas em circulação ao longo dos cem minutos de “Infestação”. Muitas delas são de verdade, e não efeitos visuais ou trucagens de computador. Vanicek, estreando em longa-metragem, tem consciência da aflição provocada pelos bichos e transmite constantemente a sensação de que um deles vai saltar da tela ou que algum está escondido num canto da tela sem que os personagens percebam.
Para além dos sustos fáceis de trem-fantasma que volta e meia impregnam filmes de horror sem muito mais a oferecer, Vanicek propõe um exercício de percepção de detalhes e de incerteza sobre o teor do que está a compor integralmente o interior dos planos. Nascido e criado em subúrbios de Paris, o diretor narra a história de “Infestação” sob um ponto de vista pessoal ao criar um alter ego na figura do jovem contrabandista Kaleb, vivido por Théo Christine. O rapaz está em luta diária por sobrevivência digna e respeito numa comunidade parisiense afastada de cenários turístico e maiores atenções do Estado.
Kaleb, cujo hobby é criar animais exóticos no quarto, vai comprar presente para a namorada e leva junto um tipo diferente de aranha. A criaturinha, bonita e inofensiva, escapa da caixa de sapatos e se revela perigosa, não só por se proliferar muito rápido, mas ao gerar filhotes cada vez mais robustos e selvagens em curtíssimo espaço de tempo. Logo o conjunto habitacional onde mora Kaleb e vários amigos, familiares e desafetos se torna espaço de pesadelo, gritaria e perseguições.
Há várias semelhanças iniciais com o espanhol “[Rec]”, da dupla Jaume Balagueró e Paco Plaza, lançado em 2007 e que virou franquia com três sequências, mas o trabalho de Sébastien Vanicek tem maior precisão na plasticidade e ambiência visual, inclusive pela exuberância da fotografia de Alexandre Jamin. Além disso, o ambiente claustrofóbico do prédio, as poucas formas de escape e o senso de comunidade que se forma no grupo central de personagens diante não só da ameaça das aranhas, mas de policiais que dificultam a fuga, revelam um conjunto poderoso de comentários críticos na premissa inicialmente simplória de “Infestação”.
Infestação
Quando: Em cartaz nos cinemas
Elenco: Théo Christine, Sofia Lesaffre, Jérôme Niel
Produção: França, 2023
Direção: Sébastien Vaniček
Avaliação: *Bom*
MARCELO MIRANDA / Folhapress