Enterrar fiação elétrica é opção complexa e sem definição de quem paga o custo, dizem especialistas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Assim como após o apagão que atingiu São Paulo em novembro de 2023, o enterramento de fios voltou à baila como principal solução para minimizar o impacto de temporais como o do último dia 11, quando ventos fortes derrubaram árvores sobre a rede elétrica deixando 3,1 milhões de imóveis sem luz na Grande São Paulo.

Embora tenha vantagens na resistência contra ventanias, a decisão envolve um alto custo —que será compartilhado com quem pode não aproveitar a melhoria— e dificuldades logísticas, como a complexa operação de mobilizar muitas equipes para obras que podem durar anos, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.

Uma rede majoritariamente subterrânea é um sonho distante, segundo o engenheiro Juliano Gonçalves, especialista em redes de energia. Entre 2003 e 2006, ele participou do projeto que enterrou cinco quilômetros de fios em trechos das avenidas Nove de Julho, Rebouças, Faria Lima, Cidade Jardim e da rua Oscar Freire.

“Virou canteiro de obra, um caos no trânsito, e foram três anos para fazer cinco quilômetros. Um exército na distribuidora foi mobilizado, tivemos de contratar empresas, abrir calçada e pavimento.” Ainda foram necessárias intervenções nas casas de quem morava nas regiões com fiação enterrada, para adaptar o abastecimento do poste para o duto.

A distribuidora, na época, era a Eletropaulo. De acordo com o engenheiro, a opção pela rede aérea é histórica. Atualmente, somente 6% da área de concessão da Enel que inclui a capital paulista tem a fiação subterrânea.

Outra barreira é o financiamento. Apenas para enterrar a rede elétrica na região central de São Paulo seriam necessários R$ 20 bilhões. Para o diretor executivo de regulação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Ricardo Brandão, o modelo de financiamento dessa intervenção também precisaria de uma definição mais clara.

Se o custo for repassado às distribuidoras, todos os consumidores da área de concessão terão de pagar pelo enterramento, mesmo que ele se dê em apenas alguns trechos. “Determinadas regiões serão beneficiadas e toda a área de concessão paga pelo aumento da tarifa”, diz Brandão.

Para ele, o melhor desenho é fazer mudanças pontuais de forma planejada e usar recursos públicos federais, estaduais ou municipais.

São Paulo tem uma lei que obriga a distribuidora a enterrar seus cabos, mas é judicialmente impedida de aplicar a regra. Uma das possibilidades, sugerida e escanteada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) em 2023, foi o uso da contribuição de melhoria. Neste caso, moradores de um determinado local considerado importante para o enterramento decidiriam por maioria pagar pelas obras.

Se o enterramento parece uma realidade distante, os especialistas apontam a modernização da rede atual, com o investimento em automação, digitalização e monitoramento eletrônico, como opção para minimizar as interrupções no fornecimento de energia.

Uma medida, segundo Gonçalves, é o uso de chaves automáticas de manobra. Esses equipamentos permitem isolar uma área com dano causado por uma queda de árvore, por exemplo, e manter o fornecimento no restante da rede.

Isso garante flexibilidade como a usada em cidades como Nova York, que geram uma “malha quase infinita” para manobras, diz o engenheiro, entre as subestações que abastecem diferentes bairros.

Somada a essa instalação de chaves automáticas, a digitalização da rede pode ajudar no monitoramento remoto, que permite o controle a distância da rede da cidade.

O ideal para São Paulo pode estar numa convivência melhor entre rede elétrica e árvores. Para Brandão, é preciso avançar na gestão arbórea na cidade, inclusive com substituições planejadas do tipo de árvore para reduzir os riscos de acidente, e com mais integração entre órgãos públicos e as empresas para o serviço de poda de galhos e retirada de exemplares que apresentam risco de queda.

Já Gonçalves afirma que, com temporais mais frequentes, será preciso ampliar as forças de trabalho —medida que as empresas têm feito e vão aprofundar por meio do compartilhamento de equipes.

Com tarefas específicas e protocolos rígidos, ele aponta que a Enel, no caso de São Paulo, deve ter que ampliar seus quadros. “Reconstruir a rede toda não vai dar, então [a solução] passa por contratar mais gente e ir melhorando a rede.”

LUCAS LACERDA / Folhapress

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