BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Um plebiscito sobre a adesão à União Europeia em Moldova neste fim de semana ganhou outra proporção após a presidente do pequeno país, Maia Sandu, afirmar que “forças externas” provocaram um “assalto sem precedentes” no processo democrático local.
No fim da noite de domingo (20), quando a contagem das urnas apontava para uma derrota da proposta, a mandatária declarou ter provas de que grupos criminosos tentaram comprar 300 mil votos, bastante coisa para um colégio de 2,5 milhões de eleitores.
A contabilização de votos de expatriados virou o jogo nesta segunda-feira (21). Com mais de 99% das urnas apuradas, o sim à adesão venceu por apenas 11.500 votos.
As tentativas russas de desestabilizar o pleito eram previstas, mas não com tamanha efetividade. Pesquisas de opinião apontavam para uma vitória com larga margem do governo pró-UE tanto no plebiscito como na eleição presidencial em primeiro turno -ambos realizados no domingo.
Sandu liderou a votação, mas terá que enfrentar um segundo round, em novembro, contra Alexandr Stoianoglo, ex-procurador geral do país, que se diz um não político, mas alavancou sua candidatura com o Partido Socialista, pró-Rússia. “Moldova venceu honestamente um combate injusto”, declarou a presidente nas redes sociais.
Moldova, ex-república soviética, pobre e com muitos problemas de infraestrutura, seria apenas um detalhe na Europa não fosse por sua localização tornada estratégica da noite para o dia com a invasão russa na Ucrânia.
O convite para a adesão ao bloco apareceu nos primeiros capítulos da disputa retórica inflamada pelo conflito e só progrediu. No último dia 10, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou um pacote de 1,8 bilhão de euros para financiar reformas estruturais e institucionais no país.
Nesta segunda-feira, seria a vez de Olaf Scholz, primeiro-ministro alemão, visitar e sinalizar o apoio ao pequeno aliado, que, além da proximidade do conflito, ainda lida com uma região separatista, a Transdnístria, na divisa com a Ucrânia, que abriga tropas russas.
O chamado ataque híbrido à eleição em Moldova reuniu lances bizarros, como jovens recrutados como mulas para contrabandear dinheiro vivo pelas fronteiras e até uma espécie de pirâmide financeira bancada por um oligarca russo. Cerca de 100 milhões de euros teriam sido distribuídos na tentativa de comprar votos.
Uma campanha de desinformação também teria sido patrocinada pelo Kremlin. Notícias falsas e postagens em redes sociais espalharam que, a partir da adesão, os prédios públicos do país teriam que usar bandeiras com arco-íris, símbolo LGBTQIA+, e que o território serviria de escoadouro para imigrantes do Oriente Médio.
“Diante dos ataques híbridos da Rússia, Moldova mostra que é independente, forte e quer um futuro europeu”, escreveu Von der Leyen no X. A Rússia reagiu, negou envolvimento no pleito e pediu provas das diversas acusações. Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, afirmou que os resultados anunciados nesta segunda-feira pareciam “suspeitos” e que a dinâmica de apuração tinha aparência “mecânica”.
Na semana anterior, Peskov previra dificuldades para o governo de turno, dizendo que várias regiões de Moldova “apoiam boas relações com a Rússia”. As eleições legislativas ocorrem em 2025, e o pleito atual aponta para a perpetuação das campanhas clandestinas para influenciar votos.
O plebiscito, que pediu permissão para alterar a Constituição local, não era obrigatório no atual estágio do processo de adesão à União Europeia. Segundo observadores, foi chamado pela presidente por questões da política local. Ser ou não pró-UE ou Rússia virou um ativo eleitoral em Moldova, o que atrai por óbvio interesses e recursos externos, legítimos ou não.
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE / Folhapress