BEIRUTE, LÍBANO (FOLHAPRESS) – A morte do líder do Hamas, Yahya Sinwar, na semana passada, poderia ser usada por Israel para justificar um cessar-fogo para as alas mais conservadoras dentro do país. Mas é mais provável que a eliminação do líder da facção empodere o governo de Binyamin Netanyahu para ampliar a ofensiva contra seus inimigos e tentar extirpar a influência do Irã na região.
Essa é a opinião de Karim Bitar, professor de relações internacionais na Universidade Saint-Joseph, em Beirute, no Líbano. “A morte de Sinwar pode ser um divisor de águas. Israel pode decidir capitalizar suas vitórias, dizer que eliminou a maioria dos líderes do Hamas e do Hezbollah, destruiu 80% ou 90% da infraestrutura militar do Hamas, e vai parar por aí e aceitar o cessar-fogo”, diz.
“Mas o segundo cenário, mais provável, é que a morte de Sinwar só aumentará a arrogância israelense, que eles sentirão que estão obtendo vitórias significativas e vão tentar enfraquecer severamente todos os seus adversários e cortar as asas de Teerã em toda a região.”
As forças israelenses anunciaram em 30 de setembro que iniciariam uma invasão terrestre no sul do Líbano para expulsar os combatentes do Hezbollah da área, o que permitiria, segundo eles, a volta de 60 mil pessoas que tiveram de deixar suas casas no norte de Israel. Desde então, as forças de Israel também intensificaram bombardeios no sul do país vizinho, no sul de Beirute e no Vale do Beqaa –onde morreram dois adolescentes nascidos no Brasil.
O Hezbollah passou a atacar sistematicamente Israel após os atentados terrorista do Hamas que deixaram cerca de 1200 mortos em solo israelense no 7 de Outubro de 2023. Desde então, os ataques de Israel em retaliação causaram mais de 43 mil mortes em Gaza e quase 3.000 no Líbano.
Segundo Bitar, o que vai determinar a decisão de Netanyahu é a política interna de Israel. “A decisão dependerá do relacionamento entre Netanyahu e seus ministros messiânicos de extrema direita que estão pedindo um reassentamento em Gaza, a reocupação do Líbano e o estabelecimento de uma enorme ‘zona de amortecimento’ no sul do país.”
Segundo o especialista, muitos libaneses têm a sensação de que o Líbano sempre foi um campo de batalha entre potências internacionais e regionais –e hoje é o terreno onde as guerras iranianas e israelenses estão ocorrendo.
“Os libaneses sentem que estão pagando o preço mais alto por essas guerras. Enquanto os iranianos não estão diretamente na linha de frente, é a população civil libanesa que aguenta o peso das tentativas de influência iraniana em vários países do Oriente Médio”, diz o analista. “Os libaneses sentem-se como se fossem a grama, como diz o antigo provérbio africano: quando dois elefantes brigam, é a grama que sofre.”
O professor libanês afirma ainda que uma das principais estratégias de Netanyahu é acirrar conflitos internos no Líbano. Segundo ele, a maioria dos alvos dos bombardeios israelenses em vilarejos xiitas ou cristãos no norte do Líbano ou no Monte Líbano não tinha valor estratégico ou militar significativo.
“Então nos perguntamos se bombardeá-los não é uma mensagem de que ‘ninguém está seguro em lugar nenhum’, de que Israel está monitorando tudo. E a segunda mensagem é para as outras comunidades religiosas libanesas: ‘cuidado, não abram suas portas para esses refugiados [xiitas], vocês também podem se tornar vítimas’.”
Segundo o especialista, isso pode inflamar disputas internas e gerar, por exemplo, a expulsão de refugiados e o retorno aos guetos sectários dos anos 1980. “Netanyahu está usando o mesmo velho manual israelense de política do medo, tentando virar todas as outras comunidades contra os xiitas libaneses e contra o Hezbollah. Os fantasmas da guerra civil ainda assombram o Líbano.”
Ele avalia que o Hezbollah está enfraquecido militar e psicologicamente. “Mas isso não significa que esteja morto. O Hezbollah está grogue, sentiu o golpe, mas ainda não foi completamente nocauteado. Eles ainda têm uma base política significativa, controlam o sistema libanês por meio de seus políticos e aliados.” Para Bitar, os adversários do Hezbollah sentem que essa poderia ser uma oportunidade para finalmente quebrar o domínio que a milícia tem sobre o Estado libanês.
Em relação à estratégia de Netanyahu e sua rejeição ao cessar-fogo, ele afirma que “o objetivo final desta guerra parece ser a própria guerra”. “E ele tem carta branca dos Estados Unidos até a eleição presidencial e talvez até uma transição em 21 de janeiro”, diz.
Netanyahu pode se sentir tentado a tentar remodelar todo o Oriente Médio, avalia o especialista. “Estamos de volta a essa ideia messiânica neoconservadora de que poderíamos usar a força bruta para produzir algum tipo de novo Oriente Médio que seria mais favorável aos interesses israelenses e americanos e, julgando pelas tentativas passadas, isso se provará uma ilusão.”
“Estamos abrindo a caixa de Pandora mais uma vez, assim como na Guerra do Iraque em 2003, que levou à morte de mais de 1 milhão de civis iraquianos e ao aumento da influência do Irã em todo o Oriente Médio.”
PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress