Machismo se enfrenta com sarcasmo, diz Geisy Arruda sobre festa de debutante para vestido rosa

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há exatos 15 anos, uma estudante de turismo decidiu ir para a faculdade com um vestido rosa curto –maneira como gostava de se vestir. O que Geisy Arruda não esperava é que fosse se tornar alvo de um ato coletivo de misoginia. Centenas de colegas se reuniram para atacar a jovem, usando xingamentos e ameaças.

“A violência poderia ter se tornado física, porque eles pulavam a porta, se penduravam na sala. Eu poderia ter sido estuprada –e coisas até piores–, coletivamente”, diz Arruda, que, hoje, aos 35 anos, é influencer e atriz.

Para sair em segurança do ambiente hostil, a jovem precisou de ajuda. “Quem chamou a polícia foi um professor, porque o perigo iminente deixou de ser só comigo e começou a ser com todos os alunos que estavam na sala.”

A estudante foi obrigada a vestir um jaleco branco usado pelos professores e saiu escoltada pela Polícia Militar, ao som de gritos de “puta” direcionados a ela.

A violência não terminou ali. Diversos estudantes compartilharam vídeos da estudante com seu vestido rosa curto no Orkut, rede social mais popular entre os brasileiros na época. Ela foi então alvo de violência sexual pela internet, com a retaliação alcançando níveis nacionais.

Pensando hoje sobre o episódio que mudou sua vida para sempre, Arruda se lembra da vulnerabilidade que sentiu. “Naquele dia eu me senti muito frágil, me senti culpada também. Mas aí eu consegui ver que eu não era culpada por ser quem eu sou”, afirma ela.

Ainda hoje, no entanto, as marcas do dia traumático reverberam na vida da ex-estudante de turismo. “Hoje eu sou uma mulher mais madura, mas eu tenho cicatrizes daquele dia e ainda venho lutando contra o machismo até hoje de maneiras diferentes.”

Apesar de ter sido vítima, a faculdade Uniban, de São Bernardo do Campo, emitiu dias depois uma nota pública, divulgada na imprensa, informando que Arruda havia sido expulsa por “uma postura incompatível com o ambiente da universidade”.

“Eles fizeram isso sem falar comigo e com a minha família. Eles simplesmente acharam melhor colocar a culpa em mim me expulsando, só que aí a repercussão foi muito negativa. Alguns dias depois voltaram atrás e me convidaram para voltar. Mas não tinha como, e eu acabei optando por processá-los”, conta.

O que Geisy Arruda viveu, hoje em dia, é considerado crime de importunação sexual pela lei 13.718, que tipifica, entre outras, as violações à liberdade sexual. A legislação foi instituída em 2018, nove anos depois da fatídica noite em que ela usou o vestido rosa curto.

Para lidar com o ocorrido, a influencer decidiu dar um tom de humor para a efeméride. Ela reuniu amigos próximos e familiares para uma festa de debutante da peça de roupa.

“Hoje a gente comemora, faz bolo, faz festa, mas só eu sei o quão traumático foi para mim esse dia e o quão triste significa olhar o vestido, pegar no vestido, usar o vestido, então existem traumas ainda, traumas que vão ficar para sempre”, afirma ela.

Para ela, trata-se de uma tentativa de ressignificar a lembrança. “Eu costumo dizer que a única maneira de enfrentar o machismo é com sarcasmo, então é uma festa um pouco irônica, é a maneira que eu tenho de ser superior e de mostrar que eu venci a agressão.”

MILENA FÉLIX / Folhapress

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