Enel tenta barrar aumento de responsabilização em eventos climáticos

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Enel, distribuidora de eletricidade que atua na cidade de São Paulo, tenta barrar na discussão sobre novas regras do setor a ideia de aumentar a responsabilização das empresas de energia em eventos climáticos extremos. A companhia foi intimada nesta segunda-feira (21) em um processo que pode levar à perda do contrato, justamente por sua conduta após um temporal na capital paulista neste mês.

A discussão sobre eventos climáticos –que tendem a ser cada vez mais frequentes e intensos, o que coloca em risco a entrega do serviço– é central no atual processo de revisão de normas do setor e deve influenciar o formato dos futuros contratos do segmento, que valerão pelos próximos 30 anos.

A empresa, controlada por acionistas italianos, emitiu o posicionamento sobre o tema em uma coleta de opiniões promovida pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) neste ano. Para argumentar contra a maior responsabilização das concessionárias nas novas regras, a Enel cita a lei 8.987, de 1995 –que afirma que não se caracteriza como uma descontinuidade do serviço a interrupção em situação de emergência.

“Eventual revisão das classificações a respeito das interrupções de fornecimento não poderá, por força da legislação vigente, imputar a responsabilidade por interrupções decorrentes de eventos extremos e situações de emergência às concessionárias de distribuição”, afirma a Enel na tomada de subsídios.

A companhia também se mostra contrária à mudança de regras voltadas a indenizar o consumidor em casos do tipo. “Estabelecer regras de compensações para ocorrências originadas em eventos extremos, quer seja por eventos climáticos extremos ou por ISE [Interrupções por Situação de Emergência], não é pertinente uma vez que as interrupções originadas por esses eventos estão fora da gestão das distribuidoras, visto que totalmente decorrentes de eventos inesperados”, diz a Enel.

A empresa também cita países que têm uma interpretação mais flexível do que pode ser considerado caso de “força maior”, uma situação imprevista e inevitável que impossibilita o cumprimento de obrigações. A Enel diz que na Itália, por exemplo, não é necessário uma entidade pública declarar a existência do evento extremo.

Lá, diz a companhia, basta “a verificação feita pela distribuidora, devidamente embasada em uma declaração técnica e meteorológica de alguma instituição especializada e, possivelmente, contratada pela própria distribuidora”.

Em vez da maior responsabilização, a Enel sugere um mecanismo de incentivo para as empresas. “A regulamentação poderia prever mecanismos diferentes de incentivos, para além de penalidade, indo em direção ao reforço positivo das ações. Dessa forma, poderiam prever prêmios para ações que fossem mais positivas, influenciando o resultado de forma mais sustentável para as distribuidoras”, afirma a companhia.

A Aneel assinou nesta semana a recomendação para uma consulta pública sobre a resiliência da infraestrutura em eventos climáticos. Uma segunda, aberta neste mês e mais ampla –que versa sobre a renovação dos contratos de concessão de distribuição–, também tem parte da discussão destinada ao tema e considera as opiniões já expressas pelas empresas.

A Enel e outras 18 empresas estão com os prazos de concessão vencendo nos próximos anos, de 2025 a 2031, e o governo federal abriu a possibilidade de antecipar a prorrogação sobre novas bases. Um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) de junho autoriza o processo.

A minuta dos novos contratos está em consulta pública e diz que é obrigação das empresas aumentar a resistência das redes frente a eventos climáticos.

Também diz que a Aneel “estabelecerá padrões de continuidade a serem observados pela distribuidora contemplando, no mínimo, metas de eficiência para recomposição do serviço após interrupções motivadas por eventos climáticos extremos”.

Governo e especialistas veem as regras ligadas a eventos climáticos entre os principais pontos a serem modernizados. Atualmente, as normas preveem que as concessionárias de distribuição não são penalizadas por situações extraordinárias que estão fora do seu controle –mas as próprias empresas apontam dificuldades para se caracterizar quais são essas situações.

Silveira, chefe da pasta de Minas e Energia, afirma que os atuais contratos são obsoletos com relação a eventos climáticos e que o novo modelo terá metas para recompor o serviço após esse tipo de fenômeno.

“Ela [empresa que renovar o contrato sobre novas bases] vai ter que planejar-se para a emergência climática e eventos severos, porque entramos em uma nova realidade no setor de energia do mundo. Não só na geração –com as energias limpas e renováveis– mas na distribuição, em especial”, disse na semana passada.

Segundo ele, eventos climáticos severos como o deste mês em São Paulo não poderão mais ser eliminados das responsabilidades. Além disso, sugeriu que as penalidades também serão rediscutidas.

“Hoje a penalidade é multa. É como acontece com as grandes mineradoras. Todas, ou boa parte, preferem ser multadas do que fazer o certo. E aí acumulam muito em judicialismo. E fica lá [travado na Justiça]. A maior parte do Judiciário é ocupado com esse tipo de comportamento. Infelizmente”, disse.

Procurada pela reportagem, a Enel afirma que suas opiniões “estão em concordância com as enviadas por outros agentes do setor no processo”. “A Enel reitera seu compromisso com a sociedade em todas as áreas em que atua e reforça que está fazendo um robusto plano de investimentos para aumentar a qualidade dos serviços, em linha com as expectativas das autoridades, com as mudanças climáticas e com os anseios dos consumidores brasileiros”, diz a companhia, em nota.

A Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), que no mesmo processo defendeu opiniões similares à da Enel em parte do debate, afirmou que os eventos climáticos extremos “trazem novos desafios para o segmento de distribuição”. A entidade diz acreditar “que todas as contribuições feitas por suas associadas têm como objetivo o aprimoramento das regras dos contratos e a melhoria do serviço prestado”.

FÁBIO PUPO / Folhapress

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