Único Botafogo a obter título continental levou calote em final com Peñarol

RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – O Botafogo volta a enfrentar o Peñarol 31 anos após a conquista da Copa Conmebol, único troféu internacional do clube que é considerado pela Fifa como oficial. Sempre lembrado internamente pelo peso de exclusividade que ele carrega, o título também ficou marcado por um calote histórico que os jogadores alvinegros daquela época levaram em termos de premiação. Nesta quarta (23), Botafogo e Peñarol iniciam a disputa por uma vaga na final da Libertadores.

O QUE ACONTECEU

O Botafogo vivia um delicado momento financeiro naquele período. Por isso, a diretoria resolveu fazer um acordo com o elenco em caso de título.

Ficou estabelecido que 50% da renda do jogo no Maracanã seria dada aos jogadores. O objetivo era gerar um ânimo extra ao grupo, que acabou tendo uma desagradável surpresa após a partida.

Dos cerca de 70 mil presentes -segundo jornais da época-, apenas 26.276 foram divulgados como pagantes. Ou seja, mais de 44 mil pessoas entraram sem pagar no antigo Maracanã.

A renda bruta daquela final foi de CR$ 8.595.800, sendo que o Botafogo ficou com cerca de CR$ 6.000.000. Convertendo a moeda de Cruzeiro Real da época para o Real na cotação atual, era como se o clube tivesse obtido aproximadamente R$ 2,1 milhões e fosse obrigado a pagar R$ 1,05 milhão aos jogadores pelo acordo.

Uma das chamadas do “Jornal dos Sports” do dia seguinte dizia: “Time corre atrás dos prêmios”. No texto, destacava que “os jogadores do Botafogo prometem procurar os dirigentes do clube ainda nesta quarta-feira (23) para tentar renegociar os prêmios com relação ao título”. Porém, segundo o artilheiro Sinval, a cor da grana não foi vista até nesta quarta-feira (23).

“A diretoria não acreditou. No Maracanã, entrei no campo para fazer o reconhecimento e a arquibancada ainda estava vazia. Aí o Ademar Braga (preparador físico) virou para nós e falou: ‘Vocês vão ver, vai lotar’. Aí chegou na hora do jogo, entrei em campo e, meu Deus, estava lotado, era o nosso momento. Mas aí vimos depois que tiveram que abrir os portões porque não tinham mais ingressos para imprimir, e aí entrou muita gente sem pagar. Acabou que não nos pagaram esse dinheiro até nesta quarta-feira (23) (risos)”, afirma Sinval, artilheiro da Conmebol de 93, à reportagem.

CARLOS ALBERTO TORRES ERA O TÉCNICO E ENCERROU TREINO IRRITADO NA VÉSPERA

Se o time não tinha jogadores renomados, à beira do campo o Botafogo contava com uma lenda: Carlos Alberto Torres. O capitão do tri mundial da seleção brasileira era o grande oráculo daquela jovem equipe, mas também não segurava sua irritação quando as coisas não saíam do jeito que queria.

Na véspera da decisão, por exemplo, o desempenho ruim no treino fez o técnico encerrar a atividade precocemente. Foram apenas dez minutos de trabalho.

“O Carlos Alberto Torres estava muito nervoso. O pessoal estava errando os passes e ele encerrou o treino com dez minutos. Ele falou: ‘Vocês já sabem o que tem que fazer. Vamos ver nesta quinta-feira (24) o que vai acontecer’, e graças a Deus deu tudo certo (risos)”, relembra Sinval.

Apesar de enérgico, Torres também era um “paizão”. Capitão daquela equipe, o ex-volante Nelson relembra com carinho do “capita”, que morreu em 2016.

“Quando chegamos na final no Maracanã, olhamos para o banco e tinha o Carlos Alberto Torres, que fez toda a diferença na nossa vida. A coisa boa que a gente guarda é que ele nos passou confiança no vestiário; ele falou: ‘vocês chegaram até aqui, então são merecedores desse título'”, diz Nelson, ex-capitão do time, à reportagem.

‘APANHAMOS E NÃO FOI POUCO’

O Botafogo enfrentou uma verdadeira guerra diante do Peñarol. Os uruguaios apelaram para as bordoadas e também demonstravam certa soberba, segundo o volante Nelson:

“Eles faziam de tudo. Já vieram achando que iriam ganhar, porque éramos um time inexperiente, 80% formado na base”.

Quem sofreu bastante foi Sinval, artilheiro da competição e o mais visado pelos adversários, principalmente no jogo de ida, em Montevidéu (URU), que terminou com um heroico empate por 1 a 1, com o Alvinegro jogando com um a menos desde os 12 minutos do segundo tempo. Na volta, no Maracanã, novo empate, desta vez por 2 a 2, com vitória do Botafogo nos pênaltis.

“Apanhamos pra caramba. Apanhamos e não foi pouco (risos). Para sair, fecharam a boca do túnel, pulamos no fosso para não apanhar mais. Ficamos trancados no vestiário até a polícia nos escoltar. Eles não aceitavam nosso empate. Apanhamos aqui no Brasil pra caramba também. O Peñarol batia muito”, diz Sinval.

CAMPEÕES ACREDITAM QUE NÃO TÊM RECONHECIMENTO

Os campeões da Conmebol de 93 acreditam que não têm o devido reconhecimento. Na avaliação de Sinval, por exemplo, títulos nacionais conquistados pelo Botafogo são mais valorizados que o deles.

“Eu acho que deveria mais. Lançam camisas de 95, de 89 e esquecem de nós. No nosso grupo de WhatsApp, reclamam muito, me cobram dizendo que tenho mais expressão, mas o que posso fazer? O título de 95 tem muita expressão porque o (Carlos Augusto) Montenegro (presidente da época) é muito ativo, puxava sardinha para ele, mas as coisas vão acontecendo. Por coincidência, tem o Peñarol pelo caminho agora e temos que desfrutar desse momento”, disse Sinval, que está no Rio e assistirá o jogo desta quarta no Nilton Santos.

Nelson compartilha da opinião de seu ex-companheiro. Porém, apesar da mágoa, ressalta que a história está escrita e nada apagará:

“Poderiam valorizar um pouco mais, mas a história ninguém apaga. Acho que fazem pouco, mas uma coisa é fato: isso aí (título) ninguém tira da gente. Se o time era ruim ou não, uma coisa é fato: fomos campeões”, afirma Nelson.

BRUNO BRAZ / Folhapress

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