BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Principais adversários nas urnas, o PT de Lula e o PL de Jair Bolsonaro já negociam cargos na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em meio à disputa pela sucessão da presidência da Casa. As conversas envolvem a escolha do próximo presidente.
Essas conversas acontecem sem a intermediação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que, a interlocutores, tem dito esperar a indicação de apoio dessas legendas para anunciar oficialmente quem apoiará.
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e o líder do PT na Câmara, Odair Cunha (MG), já se reuniram ao menos duas vezes em busca de um pacto para preservação de seus espaços. Um desses encontros ocorreu na sede do PL, em Brasília, e a movimentação é acompanhada a distância por colaboradores do presidente Lula.
Lira chegou a dar prazos sobre o anúncio oficial de um nome sucedê-lo, mas as datas já expiraram e até agora isso não se efetivou. A lideranças na Câmara o atual presidente da Casa já sinalizou preferência pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).
Enquanto Lira espera a definição de PT e PL, as duas legendas têm se articulado. Odair foi ao partido de Bolsonaro há cerca de um mês. Estava acompanhado do deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP), com quem Valdemar mantém boa relação. Lá, encontrou o líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ).
A ideia das negociações, segundo um dos participantes, é deter o avanço do centrão sobre cargos reservados aos dois partidos. Essas cadeiras são distribuídas conforme o tamanho das bancadas, mas PL e PT abriram os canais de diálogo diante dos rumores de que parlamentares do centrão se articulavam para subverter essa divisão.
A intenção é fazer respeitar a proporcionalidade das bancadas, e manter vice-presidências e primeira secretaria –os melhores cargos– com as siglas.
Um auxiliar direto de Lula disse que o movimento empodera o Planalto na sucessão, sobretudo por não precisar de intermediários para discutir a divisão de espaço e poder na Câmara -algo que, até então, vinha sendo controlado por Lira.
Participantes desse diálogo ainda não falam em consenso para apoiar um nome à sucessão, mas admitem que Hugo Motta está bem cotado nos dois lados. O parlamentar tornou-se o candidato do atual presidente da Casa, mas não foi formalmente indicado por Lira.
Juntas, as siglas adversárias têm 160 parlamentares, de um total de 513. A eleição para a presidência da Câmara exige maioria absoluta, metade mais um.
“Se nós fecharmos o bloco, acabou. Já tem o PP, já tem o Republicanos. Se o PT vier, liquidou o assunto. Agora, precisa ver, precisa ter entendimento para não ter disputa. Muito ruim esse negócio de disputa”, afirmou Valdemar à Folha.
O diálogo na tentativa de garantir espaços às legendas vem na contramão do discurso de membros mais radicalizados dos partidos. O movimento é pragmático, e o presidente do PL já se antecipa a eventuais críticas.
“Nós temos que defender os interesses do nosso pessoal. A Câmara é um poder independente. E nós temos que conversar. Não tem como você radicalizar. Se radicalizar, nós deixamos o nosso pessoal sem espaço dentro do poder Legislativo. Nós não podemos trabalhar assim”, disse o presidente do partido de Bolsonaro.
Ele citou como exemplo a negociação na rodada anterior, no início do mandato, que garantiu ao PL o comando da Comissão de Constituição e Justiça, por exemplo, com a deputada Caroline de Toni (PL-SC), e da Educação, com Nikolas Ferreira (PL-MG).
Valdemar mantém interlocução com outros petistas ainda, na perspectiva de seguir com o diálogo aberto para negociações do tipo. Em outra frente, por exemplo, conta que conversou com o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) para saber da saúde de seu pai, José Dirceu, com quem o presidente do PL esteve há cerca de seis meses.
Ao falar das reuniões, Odair lembra que os dois partidos compõem o que chamou de bloco administrativo da Câmara, em alusão à aliança em torno de Lira. Ele diz que gostaria de consultar o PL sobre suas intenções para a sucessão da Casa.
“Compomos o mesmo bloco na Câmara. Gostaríamos de saber qual é o interesse deles. A grande discussão é se vamos continuar no mesmo bloco”, afirmou o petista, defendendo respeito à proporcionalidade das bancadas.
O líder do PT diz ainda que, no momento de polarização política, há quem aposte no bloqueio do diálogo institucional entre os dois partidos. “O diálogo não pode estar interditado”, diz ele.
Altineu afirma que o que houve foi uma sondagem do PT sobre a disposição do PL de apoiar o indicado por Lira. “O PT sempre tem uma desconfiança se vamos apoiar o candidato do Lira. O que temos dito é que existe um compromisso do Valdemar e de Bolsonaro, mas o nome ainda não foi anunciado nem submetido à bancada”, esclarece Altineu.
O líder do PL ressalta que o diálogo não é sobre governo e oposição, mas sobre a Câmara. Ele afirma que existe a possibilidade de os dois partidos apoiarem o nome indicado por Lira.
O PL é hoje o maior partido da Casa. O ex-presidente Bolsonaro esteve com Lira, a quem sinalizou apoiar o candidato que indicasse à sua sucessão. Há um cálculo no partido que só com total apoio explícito de Bolsonaro a bancada inteira votaria no nome indicado por Lira.
Cerca de 20 deputados são considerados mais radicais e não necessariamente seguem os comandos da legenda. Em conversas com integrantes de outros partidos, dirigentes do PL fizeram essa análise e indicaram que, caso haja rebelião deste grupo, não leva mais do que duas dezenas de votos na sigla.
Valdemar lembra que Lira faz questão de manter Bolsonaro informado sobre as articulações no Congresso, gesto interpretado como uma deferência do presidente da Câmara.
Segundo interlocutores, o pacto que integrantes do PL e do PT buscam firmar ainda não avançou a discussão para chegar em comandos de comissão, ainda que naturalmente seja o próximo passo.
Na seara das pautas, os dois partidos possivelmente não encontrarão convergências. O PL, por exemplo, trata a anistia dos presos nos ataques golpistas de 8 de janeiro como uma das prioridades. Sobretudo, a inclusão de Bolsonaro como anistiado nesse projeto de lei.
A proposta não encontra apoio do PT ou do governo, ainda que integrantes do PL esperassem um gesto de Lula nesse sentido. O presidente sempre foi crítico aos autores dos ataques às sedes dos três Poderes.
CATIA SEABRA E MARIANNA HOLANDA / Folhapress