Mortes em operações e disputa de poder com Derrite rondam coronel vice de Nunes

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Mello nunca fez política, ele o tempo todo fez polícia”, disse o senador Major Olímpio a respeito do coronel da reserva da Polícia Militar Ricardo Mello Araújo, 53, hoje filiado ao PL e candidato a vice-prefeito na chapa de Ricardo Nunes (MDB) graças à indicação de Jair Bolsonaro (PL).

Era dezembro de 2019, e a Assembleia Legislativa de São Paulo homenageava Mello Araújo, que foi comandante da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) de 2017 a 2019.

Desconhecido por 86% das pessoas que declararam voto em Nunes no Datafolha, o coronel fará a passagem definitiva para a política se for eleito no domingo (27), mesclando de vez os dois universos. Seria uma vitória significativa na disputa de poder e influência no meio policial paulista que trava com o secretário estadual da Segurança Pública, capitão da reserva Guilherme Derrite (PL).

Desde o final de 2022, quando participaram da equipe de transição do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), os dois representantes da PM duelam por protagonismo. Até a eleição municipal, Derrite liderava com folga, emplacando seus aliados no governo. Mello Araújo não foi nomeado para nenhum cargo importante nem conseguiu indicações.

Embora não se ataquem publicamente e neguem qualquer escaramuça, nos bastidores a queda de braço é notória e produz reflexos. Derrite, diferentemente de Tarcísio, não entrou na campanha para a prefeitura da capital e não pediu voto para o colega de farda.

Entre aliados de Nunes, a (falta de) atitude de Derrite é vista como uma resposta por ter sido preterido por Bolsonaro na disputa municipal. Por essa versão, o capitão sonhava em ser candidato a prefeito ungido pelo ex-presidente, ou no mínimo ter sido indicado a vice.

Mello Araújo afirma à Folha que nunca teve problemas com Tarcísio ou Derrite, pelo contrário, e que não queria ocupar cargos na época, apesar de ter sido sondado pelo governo estadual e pela prefeitura.

Naquela mesma cerimônia em que foi homenageado na Assembleia, Mello Araújo foi elogiado por Derrite, então deputado federal, para quem o então comandante “nunca ficou em cima do muro”. “Talvez o senhor não saiba da influência que teve para a minha geração”, emendou.

A falta de traquejo político do coronel é apontada por ele próprio e por aliados como a causa de uma de suas mais desastrosas declarações, em 2017, quando defendeu abordagem diferente da PM nos Jardins e na periferia, que se tornou munição para a campanha de Guilherme Boulos (PSOL).

“Eu não sou isso, não sou racista. Tem que se policiar com o que fala, estou aprendendo”, diz Mello Araújo.

Oficial de característica operacional —mais de rua do que de gabinete—, o coronel também teve de se explicar sobre as oito ocorrências com mortes, reveladas pelo jornal Estado de S. Paulo, decorrentes de intervenção policial com participação dele, que geram inquéritos militares, mas nenhuma punição administrativa ou criminal.

Nesse aspecto, ele e Derrite estão em sintonia. À frente da Secretaria da Segurança, o capitão foi responsável pelas operações Escudo e Verão, que somaram mais de 90 mortos, além de cinco policiais, entre 2023 e 2024. A Operação Verão é a mais letal da história da PM paulista desde o massacre do Carandiru, em 1992. O número de mortes por PMs no estado explodiu em um ano.

“Nunca fiquei contando”, disse Mello Araújo num primeiro momento à Folha de S.Paulo sobre a quantidade de pessoas que matou como policial. Em entrevista nesta quinta (24), para a qual levou sua ficha de ocorrências na PM, admitiu ter participado de sete das operações com mortes que geraram inquéritos (todas em legítima defesa). E ressaltou ter 115 prisões registradas, um número alto.

Orgulha-se ainda de ter recebido o prêmio Polícia Cidadã, do Instituto Sou da Paz, em 2009, por um projeto que ele desenvolveu em cidades do interior de SP, em que policiais formados em educação física davam aulas de ginástica para a população em praças.

Neto (o seu avô integrou a Força Pública na Revolução de 1932) e filho (seu pai comandou o Choque e o policiamento da região metropolitana) de oficiais, é também pai de um futuro policial —um dos seus filhos ingressou neste ano na Academia do Barro Branco.

Antes de se lançar na política, mas já na reserva da PM, Mello Araújo viveu mais um capítulo controverso de sua trajetória, quando, nomeado por Bolsonaro, foi diretor-presidente da da Ceagesp (Companhia de Armazéns Gerais do Estado de São Paulo), uma empresa pública federal, de 2020 a 2023.

O coronel propaga ter saneado a empresa e combatido corrupção, tráfico de drogas e prostituição no principal entreposto. Sindicalistas com quem entrou em conflito contestam, acusando-o de militarizar o espaço, perseguir funcionários e forçar demissões.

“O tratamento diferenciado nos Jardins e na periferia foi exatamente o que ele praticou também aqui na Ceagesp. Chegou dizendo que ia acabar com a corrupção, mas não foi atrás de nenhum corrupto, porque eram todos parceiros dele, gente que roubava aqui dentro. Ele não prejudicou ninguém nos cargos de alta direção, foi atrás dos pobres”, afirma Enílson Simões de Moura, o Alemão, presidente do Sindbast (Sindicato dos Empregados em Centrais de Abastecimento de Alimentos do Estado de SP).

Ele e outros sindicalistas dizem que o coronel acusou indevidamente funcionários de furto de energia, interrogando-os com arma em cima da mesa. As demissões de alguns desses servidores, diz Alemão, foram revertidas na Justiça do Trabalho.

“Ele também inventou que havia armas e drogas dentro do Sindicato dos Carregadores, entrou lá com armas e um bando de policial, não encontraram nem um cortador de unha e nada de droga. É um mentiroso que persegue pobre e preto, a periferia. Disse que aqui é um antro de tráfico de droga, pegou um adolescente que mora numa favela ao lado com um pouco de maconha no bolso. É um canalha.”

Ex-metalúrgico que dividiu cela com Lula (PT) em 1980, quando o atual presidente foi preso, Alemão integra hoje o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência, o Conselhão.

Mello Araújo rebateu Alemão. “Infelizmente, ele trabalha com a mentira”. Segundo o candidato a vice, o Sindbast tem raiva dele porque ele conseguiu na Justiça trocar o sindicato de sala —de um espaço maior, que considerava ocioso, para um menor. O coronel processou Alemão, requerendo indenização por danos morais, porque o sindicalista o chamou de “fascistinha”, “criminoso” e “autoritário”. A Justiça negou o pedido.

A gestão na Ceagesp contou ponto para Mello Araújo com Bolsonaro. O coronel segue à risca a cartilha bolsonarista —declara desconfiança da vacina da Covid, por exemplo.

Diz que só topou compor a chapa de Nunes por pressão do próprio Bolsonaro. “Eu não queria. Eu não mexi uma palha. Foi o [ex-]presidente que acabou me convencendo”, disse à reportagem.

Bolsonaro, no entanto, acabou ausente da campanha de Nunes. Chegou a gravar uma live com o vice em que recomendava que as pessoas tapassem o olho para votar no emedebista. Mello diz que, apesar disso, não se sentiu abandonado e que o ex-presidente teve participação efetiva.

A indicação do vice foi a condição imposta por Bolsonaro em troca de o PL não lançar candidato próprio. O policial não era o nome favorito nem no partido do ex-presidente nem no MDB, mas, quando foi preciso frear a subida de Pablo Marçal (PRTB) no eleitorado conservador, todo o seu bolsonarismo pareceu muito atrativo.

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RAIO-X

Ricardo Augusto de Mello Araújo, 53

Formado em segurança pública pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco, em direito pela Faculdade Integrada Guarulhos e em educação física pela Escola de Educação Física da PM. Tem pós-graduação em fisiologia do exercício pelo Instituto de Ciências Biológicas da USP e mestrado em ciências policiais e ordem pública pelo Centro de Altos Estudos da PM.

Foi comandante da Rota entre 2017 e 2019, quando se aposentou da PM. Entre 2020 e 2023, foi presidente da Ceagesp, indicado por Jair Bolsonaro (PL). Em sua primeira eleição, é candidato a vice na chapa de Ricardo Nunes (MDB) à Prefeitura de São Paulo

Patrimônio declarado à Justiça Eleitoral (2024): R$ 3,63 milhões

CAROLINA LINHARES, ROGÉRIO PAGNAN E FABIO VICTOR / Folhapress

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