Nunes administrou vantagem, apagão e Bolsonaro enquanto explorava rejeição de Boulos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando acabou a luz na casa de Ricardo Nunes (MDB), em Interlagos (zona sul), durante o temporal do último dia 11, o prefeito estava 22 pontos à frente de Guilherme Boulos (PSOL) na largada do segundo turno, segundo o Datafolha. Nunes planejava jogar parado, e Boulos precisava quase de um milagre.

“Só voltou no domingo (13), umas 9h da manhã. Nós colocamos o que estava na geladeira em caixas de isopor com gelo. Tomei banho frio. É muito ruim ficar sem luz”, conta Nunes à Folha de S.Paulo, ressaltando que, nesse período, nem parou em casa. Ele cancelou agendas de campanha e vestiu o tradicional colete da Defesa Civil. Precisava mostrar serviço.

A partir do apagão que atingiu 3,1 milhões de consumidores, Nunes, que já estava na mira de Boulos por causa de máfia das creches, suspeitas de corrupção, uso da máquina e o boletim de ocorrência por violência doméstica, passou a ser atacado pelo adversário pela ineficiência na poda de árvores, responsabilidade da prefeitura.

Como fez durante toda a campanha, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) trabalhou por Nunes ao se aliar ao prefeito e subir o tom na cobrança da Enel e do governo Lula (PT), responsável pela concessão de energia, na tentativa de transferir para Boulos o ônus da crise.

O jogo de empurra terminou empatado —segundo o Datafolha, 51% consideram que a prefeitura teve muita responsabilidade pelo apagão, 49% culparam o governo estadual e 46%, o federal. A Enel foi apontada por 70%.

Mas a vantagem de Nunes foi diminuindo em três semanas. Neste sábado (26), o prefeito marcou 48% ante 37% de Boulos nos votos totais (entre os válidos, 57% a 43%).

O apagão e as subsequentes ameaças de chuva forte dos últimos dias arruinaram o plano da campanha de Nunes de evitar desgastes, o que passou por recusar entrevistas e debates —assim como fez seu padrinho Tarcísio em 2022, quando também liderava a corrida.

A estratégia do segundo turno, de autopreservação e associação de Boulos ao radicalismo e ao extremismo, já estava estruturada dois dias após a votação. A ponto de ser ditada por Nunes como uma instrução para vereadores aliados, na terça (8): “Vamos repetir: ordem contra desordem; equilíbrio contra desequilíbrio; experiência contra inexperiência”.

Na sexta (25), no debate da Globo, por exemplo, Nunes afirmou que Boulos não tinha “ideia do que estava acontecendo”, que ele era favorável a liberar drogas e leniente com o crime, e relembrou sua detenção à frente do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). Boulos respondeu que o rival queria “botar medo nas pessoas”.

A outra crise que se apresentou para a campanha de Nunes no segundo turno já estava prevista, ao contrário do apagão, e atende pelo nome de Jair Bolsonaro (PL). Parte dos aliados do prefeito não escondeu que o ex-presidente não faria falta alguma depois de ter sido ausente no primeiro turno, deixando Nunes ser engolido por Pablo Marçal (PRTB) na direita.

A votação mais acirrada de São Paulo desde a redemocratização terminou com Nunes à frente, com 29,48% —25 mil eleitores a mais que Boulos (29,07%), que teve 57 mil a mais que Marçal (28,14%).

Mas o grupo simpático a Bolsonaro fazia muita questão da sua presença. E o discurso de meio-termo foi o de que o ex-presidente havia sido crucial lá no início, quando topou indicar um vice a Nunes em vez de lançar candidato próprio, e seria útil no segundo turno para atrair eleitores de Marçal.

Foi assim que Bolsonaro se materializou na campanha de Nunes pela primeira vez, a cinco dias do fim da eleição e num cenário de ampla vantagem do prefeito. Quase tão palpável foi o apoio envergonhado que transpareceu em discursos rápidos e protocolares.

Nunes e Bolsonaro não tinham outra experiência conjunta para compartilhar que não fosse o acordo da dívida do município, firmado em 2021 e mencionado à exaustão. Os interlocutores comuns se reduziam a Tarcísio e ao vice, o policial bolsonarista Ricardo Mello Araújo (PL).

Com o ex-presidente em eventos fechados, como um almoço com empresários e políticos convertidos e um culto evangélico, a política de contenção de danos funcionou bem, a não ser pelo fato de que Nunes se viu obrigado, tão somente por se aliar a Bolsonaro, a ter que se equilibrar em respostas ambíguas sobre vacinação, fraude nas urnas e golpismo.

Naquele almoço, na terça (22), Bolsonaro estava no palco quando ouviu Nunes agradecer seu principal cabo eleitoral, que vai receber o crédito político em caso de vitória. “Tarcísio se demonstrou esse gigante na campanha. No momento em que eu dei uma caidinha na pesquisa, foi a hora que o Tarcísio mais entrou.”

A migração espontânea de eleitores de Marçal (76%) e de Bolsonaro (83%) para Nunes no segundo turno, dada que a outra opção era o esquerdista Boulos, minimizou a importância de ambos na campanha. O prefeito chegou a dizer que não aceitaria o influenciador em seu palanque, apesar de enfatizar propostas de empreendedorismo para conquistar o público dele.

Nunes ignorou o convite de Marçal para uma live e afirmou que Boulos agia por desespero ao topar a dita “entrevista de emprego” mesmo após o autodenominado ex-coach ter divulgado um laudo falso o acusando de usar cocaína.

Apesar da aliança com Bolsonaro e dos ataques intensificados ao governo Lula, Nunes ainda abocanhou, sempre segundo o Datafolha, 25% dos eleitores do petista de 2022, o que revela a dificuldade de Boulos de conquistar o eleitor pobre.

O prefeito atribui esse voto às melhoras na periferia —a campanha do MDB evitou a nacionalização que beneficiaria Boulos e buscou elencar entregas da gestão. A opção por “falar da cidade” rendeu pérolas como a declaração de que crianças brincavam na praça da Sé às 22h.

Focar a administração poderia ser uma aposta arriscada para alguém que chega ao fim da eleição com 28% de desaprovação, 26% de aprovação e 45% de avaliação regular. A sorte de Nunes é que outro número pode falar mais alto nesta eleição —a rejeição de 52% do adversário Boulos.

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COMO NUNES CHEGA AO SEGUNDO TURNO

Intenções de voto

Segundo o Datafolha deste sábado (26), Nunes tem 57%, ante 43% de Boulos (votos válidos)

Coligação

MDB, PL, Republicanos, União Brasil, PP, PSD, Solidariedade, Podemos, Avante, PRD e Mobiliza

Apois no 2º turno

Marina Helena e seu partido, o Novo, e da federação PSDB/Cidadania

Recursos

A receita total foi de R$ 51,3 milhões, sendo que R$ 18 milhões vieram do MDB e R$ 17 milhões do PL, que indicou o vice, Ricardo Mello Araújo (PL); demais partidos bancaram valores entre R$ 1,7 milhão e R$ 3 milhões

CAROLINA LINHARES / Folhapress

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