SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A exibição da cópia restaurada de “Também Somos Irmãos” é enorme acontecimento da 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Dirigido por José Carlos Burle em 1949, o drama antirracista, algo inédito naqueles tempos, tem atuação fenomenal de Grande Otelo.
É um dos quatro filmes brasileiros exibidos na Mostra que ganharam um merecido tônus em suas imagens e sons. Em todos eles, o restauro foi fruto de grande empreitada. A começar pelo libertário “Onda Nova”, que Ícaro Martins e José Antonio Garcia dirigiram em 1983, já exibido nesta edição do festival de cinema.
Outro é “Abismu”, de 1977, obra de Rogério Sganzerla que reprocessa o experimental e os antecedentes originários do nosso cinema, entremeando Wilson Grey, Jimi Hendrix, Zé Bonitinho, José Mojica Marins e Norma Bengell fumando um charuto fálico com a Pedra da Gávea ao fundo. Talvez essa cópia restaurada seja a melhor experiência desse filme tão único e cosmogônico.
O contundente “Um É Pouco, Dois É Bom”, de 1970, de Odilon Lopez, ganhou uma restauração digital em 4K que mobilizou uma larga equipe, à altura do amplo e detalhado processo de recuperação do material. Lopez também atua, além de contar com Luis Fernando Verissimo na escrita dos diálogos. O filme é um dos fortes marcos do determinado cinema negro que, desde sempre, lutou por espaço no cenário cinematográfico nacional.
Já “Também Somos Irmãos” é quase um caso à parte, pois sua condição era dramática. Na sexta edição da CineOP, Mostra de Cinema de Ouro Preto, em Minas Gerais, em 2011, que homenageou Carlos Manga e discutiu a chanchada dos anos 1950, o pesquisador Luís Alberto Rocha Melo exibiu um trecho do filme de Burle. Som fibrilando, e a imagem, falhando entre riscos, manchas e pulos.
“Se é uma realidade que perdemos a maior parte de nossos filmes pré-anos 1950, como construir nossa memória?”, indagou Melo. Daí que o restauro recente de “Também Somos Irmãos” pela Cinemateca Brasileira ganha importância áurea, já que filmes contemporâneos seus como “Moleque Tião” e “Favela dos Meus Amores” estão perdidos.
A entidade tinha feito uma matriz de preservação em 2010, mas o material castigado pelo tempo e uso era inviável para a difusão. Uma recente e definitiva restauração digital a partir de material remanescente em 16 milímetros permitiu a exibição e a difusão desse que certamente é o nosso primeiro filme com acento neorrealista.
Grita em favor do restauro de “Também Somos Irmãos” também a sua excelência cinematográfica nessa “era dos grandes estúdios” à brasileira que tivemos naqueles tempos. O casamento estético entre Atlântida com seu aporte, João Carlos Burle, o roteirista Alinor Azevedo, o fotógrafo Edgar Brasil e, por fim e principalmente, Grande Otelo não poderia estar fora dos álbuns da história do cinema nacional.
A história acompanha dois irmãos, Grande Otelo como o rebelde e sardônico Miro e Aguinaldo Camargo fazendo Renato, que optou pelos estudos. Ambos lidando com um passado de humilhações e segregação pelo pai adotivo branco. O primeiro, um malandro e meio fora da lei e o outro, a correção em pessoa.
Burle consegue trazer ao filme uma autenticidade rara naqueles anos e, ao mesmo tempo, passear um pouco pelo usual dos estúdios, como o musical –e o próprio Grande Otelo dá uma breve cantada num boteco. A favela aparece mais plena e fiel ao real ao passo que o casarão e quem vive ali parecem mais empostados.
E é esse ator quem dará o grande movimento no filme, não só na história como em dissolver o balizamento das coisas. Há inclusive um instante em que Miro, preso, deixa de lado sua pose e discursa sobre o que o fez ser o, como é chamado, Malandro Miro. Grande Otelo, ali, edifica seu mito, avisa que é o maior ator do cinema brasileiro e, em páreo, do mundo.
Também Somos Irmãos
Quando: Mostra de SP: Seg. (28), às 17h30, na Cinemateca
Classificação: 12 anos
Elenco: Grande Otelo, Aguinaldo Camargo e Vera Nunes
Produção: Brasil, 1949
Direção: José Carlos Burle
PAULO SANTOS LIMA / Folhapress