Acampamento para supostos homens de verdade é tema de filme na Mostra de SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Jovens gritam em vídeos de baixa qualidade. Declaram a sua vontade de comprovar a própria masculinidade. Mas as performances trazem ruídos, como gravações de câmera antiga. São cobaias de uma colônia de férias, que promete transformá-los em verdadeiros “tigres”. Ou “tigueres”, termo exclusivo da República Dominicana usado pelo cineasta José María Cabral, diretor de “Tiguere”, que teve sua estreia mundial na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

“Não existe uma forma de traduzir ‘tiguere’. É diferente do espanhol. O termo é usado para pessoas que são, de fato, ‘tigueres’. É um ideal, algo que as pessoas aspiram a ser. Quanto mais ‘tiguere’ você é, melhor será sua vida”, diz o cineasta.

“Tiguere” acompanha a relação entre Pablo, papel do ator mirim Carlos Fernandez, e seu pai, Alberto, interpretado por Manny Perez, líder do acampamento responsável por converter meninos em “homens de verdade”. O roteiro se inspira em experiências que o próprio diretor viveu na adolescência.

“Eu participei desse tipo de acampamento quando era adolescente. Na época, não existia sequer a definição de ‘masculinidade tóxica’. Não existia uma discussão sobre o assunto. E hoje, mesmo com a desconstrução dessas percepções, ainda existe uma certa idealização de quem você deve ser enquanto homem”, afirma Cabral.

Entre treinos de resistência a baixas temperaturas, testes de luta corporal e disputas de hierarquia para definir quem pode se alimentar, Pablo vive uma jornada de autodescoberta sufocada pelas pressões do pai. Ainda que o processo tenha envolvido uma longa preparação física, o conflito nunca é traduzido de maneira gráfica, sempre priorizando o que é interno.

“Quando eu participava desses exercícios, nunca era algo realmente violento. Era uma coisa violenta de se fazer, mas a violência acontecia internamente. Eles estavam machucando nossas almas, mais do que nossos corpos. No final, éramos todos derrubados”, diz o diretor.

Apesar da atmosfera opressiva, existe leveza na forma como a direção contrapõe esse sistema e as tentativas de Pablo em se libertar. Em determinado momento, o garoto escapa junto de um colega, com quem passa a noite em uma casa abandonada. Essas passagens sempre foram prioridade para o diretor.

“Era muito importante ter momentos íntimos em que os personagens pudessem estar sozinhos, falar livremente, tentar escapar. Ao final, a fuga é difícil, porque não é como se apenas os seus pais estivessem exigindo esse papel masculino. É algo imposto por toda a sociedade.”

Para além das vivências na adolescência, o diretor transfere outros dos seus aspectos pessoais para Pablo. A presença da câmera antiga que captura os discursos e exercícios específicos do acampamento, é um reflexo da conexão entre o cineasta e o cinema. “Como eu me vejo nesse personagem, era um pouco inevitável que ele teria uma câmera. Se o seu pai a manipula por razões erradas, Pablo o faria por outros motivos. Ele vê nisso uma forma de registro para poder mostrar aos pais onde está o problema.”

Segundo Cabral, o “tiguere” não é um ideal que deve ser completamente superado. Ele exige uma série de mudanças. “Existe uma forma positiva de você ser um ‘tiguere’. Que o permita abraçar a própria identidade, ser feminista, lutar pelos direitos de todos. Um ‘tiguere’ moderno, que se torne mais rico”.

Tiguere

Quando: Mostra de SP – 29 de outubro, às 15h20, no Cinesystem Frei Caneca; 30 de outubro, às 22h, no Reserva Cultural

Classificação: 14 anos

Elenco: Manny Perez, Carlos Fernandez e Camila Santana

Produção: República Dominicana, 2024

Direção: José María Cabral

DAVI KRASILCHIK / Folhapress

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