SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A primeira coisa que se nota ao entrar na ONG que Marisa Munção, 54, preside é uma pintura de Marielle Franco com uma coroa de flores. Eles atendem muita mulher vítima de violência, daí a homenagem à vereadora do PSOL assassinada em 2018, diz a captadora de recursos.
Marisa se vê como alguém de esquerda. Desde sempre. Votou no Lula (PT) em 2022, inclusive. Neste ano, apertou com gosto o 15 de Ricardo Nunes (MDB) no primeiro e no segundo turno para prefeito de São Paulo. Também apoiou a reeleição de Sansão Pereira (Republicanos), vereador e bispo licenciado da Igreja Universal.
“Não misturo as coisas, sabe? [O político] tem que fazer, independente de partido”, afirma a líder comunitária no Parque Santo Antônio.
O prefeito reeleito neste domingo (27) viveu a adolescência neste bairro da zona sul paulistana, numa casa na rua Cristiânia , o que inspirou o marqueteiro Duda Lima a empacotá-lo para o eleitor como “cria da periferia”.
Tereza Dias dos Santos, 68, varre todo dia a rua. Está com uma pazinha removendo do caminho santinhos que exaltam Nunes e associam o adversário Guilherme Boulos (PSOL) à bandeira da desmilitarização da polícia. “Desordem” é a mensagem curta e grossa no panfleto.
Tereza tem um problema de circulação. Seu pé está inchado, e o tratamento na saúde pública ainda não deu conta de sanar o mal. “Os médicos estão vacilando”, mas a devota de Nossa Senhora Aparecida bota fé no prefeito. “Tá falando que vai colocar mais hospitais, que não vai ter fila.”
O Parque Santo Antônio fica dentro da zona eleitoral do Capão Redondo, onde Boulos teve desempenho mais parrudo na primeira fase eleitoral: 34,1% contra 29,4% de Nunes. No primeiro turno, o psolista ganhou em 15 seções eleitorais da área, enquanto o emedebista conquistou quatro delas. Pablo Marçal (PRTB) ficou com uma.
Folhetos com o rosto de Boulos e de sua vice, Marta Suplicy (PT), cobrem a calçada na frente da escola estadual Monsenhor João Batista de Carvalho, na mesma via onde o prefeito cresceu.
Sergio da Silva Soares, 49, é proprietário da casa em frente à que a família Nunes viveu anos atrás, que hoje tem um morador que se abstém de votar porque, para ele, todos os políticos “são safados” há um adesivo de Boulos colado à sua revelia na fachada.
Sergio, hoje desempregado, conta ter optado pelo prefeito “porque ele foi meu vizinho”. Também sublinha sua antipatia pelo deputado do PSOL. “Aquele cara… Não gosto dele, não.”
Com dois terços católicos no pescoço, boné de Nike na cabeça e Havaianas no pé, Sergio diz que ficou uns cinco dias sem luz após o temporal que fez estrago na rede elétrica da cidade em outubro. Preparou “um miojinho” no fogão a gás e frequentou mais vezes o boteco ali perto para se virar na semana do apagão.
Nada que desabone Nunes aos seus olhos. Sergio desaprovou a tentativa do psolista em colocar o breu na conta do prefeito. Até onde sabe, diz, ele não tem o poder de fazer ventar. “A culpa foi da natureza.” Boulos criticava a poda de árvores deficiente, que teria agravado a pane.
O avanço do emedebista sobre essa borda paulistana que vota mais à esquerda já começa na avenida Luiz Gushiken, batizada com o nome de um dos petistas mais próximos a Lula, morto em 2013. Placas com o número de Nunes dominam um gramado em frente à doceria Pavê & Pacomê.
Entrando no Parque Santo Antônio, difícil não reparar nas pegadas políticas do presidente da Câmara Municipal da capital paulista, Milton Leite (União Brasil), aliado de Nunes.
“Família Leite – pelas melhorias no nosso bairro”, diz uma faixa erguida perto da unidade regional da Cufa (Central Única das Favelas). Outra trazia um agradecimento pelo “asfalto novo”, marca que Nunes procurou imprimir à sua gestão no ano eleitoral.
“Milton é muito querido aqui”, diz Marisa, que comanda o Instituto Josefina Bakhita, uma referência à primeira santa africana, canonizada por João Paulo 2º em 2000.
A evangélica Marisa é fiel do Ministério Gileade da Assembleia de Deus, um templo pequeno, com o logo pintado sobre a porta de alumínio. Ali congrega com irmãos que, segundo ela, votaram quase todos em Nunes. A alguns passos do imóvel há uma Congregação Cristã do Brasil. As igrejas pentecostais pululam pelo bairro, e muitas delas se alinharam a Marçal, o que a intriga.
“Não consegui entender por que o pessoal da igreja votou nele”, diz sobre o influenciador que ficou fora por pouco do segundo turno. Para ela, Marçal tem falas tão boçais quanto as de Jair Bolsonaro (PL), outro em quem não votaria jamais, afirma.
A aliança do prefeito com o ex-presidente não a aborrece. “Nunes é totalmente diferente dele. Tarcísio [de Freitas, governador] também.” Os dois, ela afirma, seriam educados.
Marisa diz que o emedebista lhe concede ampla liberdade para trabalhar em sua comunidade. “Tenho o telefone pessoal dele. Nunca tive [um prefeito] que me desse essa abertura.”
A líder comunitária perdeu um filho de 24 anos. Um policial atirou no cunhado do rapaz, que se colocou na frente para protegê-lo, segundo ela. O filho recebeu um tiro, o outro homem, 16. Ela conta que começou a atuar para valer no serviço social depois desse episódio.
“Tem que votar em quem dá o nosso trabalhinho”, afirma Maria Lúcia Araújo Sena, 54, outra fiel da Assembleia de Deus que Marisa encontra na zona eleitoral.
O marido de Maria Lúcia cuida do Bar do Seu Chico, que não tem muita coisa para servir aos fregueses. Ele teve Covid e ficou com sequelas que o impedem de procurar outro emprego, conta a mulher.
Foi Marisa quem a ajudou a encontrar um posto como fiscal de feira, por meio do POT (Programa Operação Trabalho), iniciativa municipal voltada a pessoas em situação de vulnerabilidade social.
O projeto prevê cursos de capacitação profissional. Maria Lúcia faz o de computação, mas as aulas estão paralisadas por ora, ela diz. “Em nome de Jesus vai voltar”, preconiza Marisa. “Isso foi uma rasteira que o inimigo deu em nós.” Maria Lúcia concorda e revela que também ela votou em Nunes.
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER E RUBENS CAVALLARI / Folhapress