BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Sonho Georgiano, o partido do bilionário Bidzina Ivanishvili e próximo da Rússia, foi declarado vencedor nas eleições legislativas da Geórgia, realizadas no sábado (26), um sério revés nas aspirações do país de aderir à União Europeia.
Com 99% das urnas apuradas, a sigla obteve 54% dos votos, contra uma fatia de 38% conquistada pelas legendas de oposição, que denunciam fraudes em um processo eleitoral marcado por episódios de violência, compra de votos e constrangimentos.
“Usaram tecnologia para lavar a fraude nos resultados. Foi uma eleição russa”, declarou a presidente do país, Salome Zurabishvili, de acordo com a mídia local. Ao lado de aliados, ela pediu para a população ir às ruas nesta segunda-feira (28).
Tina Bokuchava, presidente do Movimento Nacional de União, o principal partido de oposição, afirmou que “as eleições foram roubadas”. “Não vamos aceitar esses resultados fraudados. O oligarca Ivanishvili roubou nosso futuro europeu”, declarou. Ivanishvili, que fez fortuna na Rússia nos anos 1990, é o presidente de honra do Sonho Georgiano e figura central na realinhamento do país com o vizinho que ocupa duas regiões autônomas em seu território.
“Isto é um golpe constitucional”, afirmou Nika Gvaramia, líder da Coalizão por Mudança, legenda de posição mais bem votada, com 11%. Observadores internacionais e ONGs locais registraram diversas irregularidades durante o pleito de sábado. A associação de advogados do país diz que flagrou pelo menos 300 ocorrências.
Observadores do Parlamento Europeu, da Organização para Segurança e Cooperação na Europa e Otan, em declaração conjunta neste domingo (27), afirmaram que o processo eleitoral foi marcado por “desequilíbrio de condições entre os candidatos, pressões e tensões”. Frank Schwabe, parlamentar alemão que acompanhou o pleito na Geórgia, declarou à emissora ZDF que houve “grave manipulação”, notadamente em zonais rurais.
Diante da suspeita de fraude nos resultados, a União Europeia pediu neste domingo (27) que a Geórgia investigue de forma rápida e transparente as irregularidades nas eleições.
“A UE relembra que qualquer legislação que comprometa os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos georgianos e que vá contra os valores e princípios sobre os quais a UE foi fundada deve ser revogada”, afirmou a Comissão Europeia em um comunicado conjunto com Josep Borrell, chefe da diplomacia do bloco.
Uma cena bizarra de violação de urna, no sul do país, viralizou nas redes sociais no sábado (26) e gerou uma onda de denúncias: coerção, compra de votos e manipulação do trabalho de funcionários públicos e mesários, quase sempre envolvendo militantes do Sonho Georgiano.
O partido busca uma maioria constitucional (113 em 150 cadeiras do Parlamento, ou mais de 75%) para uma reforma eleitoral de caráter autoritário. No poder desde 2012, o Sonho Georgiano segue uma cartilha conservadora e pouco democrática, semelhante à de Viktor Orban, da Hungria, o único líder da União Europeia a parabenizar a sigla pela vitória. Ilham Aliyev, presidente do Azerbaijão, também com currículo institucional polêmico, foi outro que celebrou o resultado.
Em maio, o partido patrocinou a aprovação de uma lei que obriga ONGs e veículos de imprensa com mais de 20% de financiamento vindo do exterior a se registrarem como entidades que “servem aos interesses de uma potência estrangeira”. A carta tem evidente inspiração russa, que usa artifício parecido há anos para calar dissidentes.
A presidente vetou a legislação, mas seu ato foi derrubado no Parlamento a despeito de uma onda de protestos pelo país. O processo de adesão à União Europeia, que caminhava desde 2023, foi congelado pelo bloco. Pesquisas de opinião mostram que 80% dos georgianos concordam com a aspiração pró-Europa, o que contrasta com o resultado legislativo. O Sonho Georgiano concorda com a adesão, que até promete para 2030, mas defende uma atitude pragmática em relação à Rússia, para que a Geórgia “não vire uma nova Ucrânia”.
Irakli Kobakhidze, o atual primeiro-ministro, afirmou que a presidente tem a obrigação formal de chamar a primeira sessão da nova legislatura e ameaçou ignorá-la se o procedimento não for realizado. Parte das legendas de oposição anunciaram que não assumirão os mandatos para não legitimar uma eleição que percebem fraudada.
O impasse institucional deve se agravar na segunda-feira (28), quando a comissão eleitoral anunciar oficialmente a distribuição de cadeiras no Parlamento. Ao que tudo indica, o Sonho Georgiano terá a maior bancada, mas não conseguirá formar maioria.
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE / Folhapress