SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Passadas as eleições, Ricardo Nunes (MDB) terá que lidar com a realidade. No campo político, o prefeito reeleito de São Paulo vai precisar definir qual espaço dará ao bolsonarismo, acomodar indicações do governador e contemplar os 12 partidos que compuseram sua coligação em seu novo gabinete.
Já no campo da gestão, ele terá que decidir se mantém a tarifa de ônibus congelada -decisão que custa o equivalente a metade dos investimentos da cidade– e estabelecer prioridades diante de um plano de governo tomado por generalidades como “expandir” a rede de saúde e “escalar” seu programa de moradias.
O amplo apoio que Nunes conseguiu reunir durante a campanha, da direita ao centro, deve cobrar seu preço. A eventual dimensão que ele der ao bolsonarismo pode mudar o perfil progressista das políticas e do secretariado de Bruno Covas (PSDB) para um perfil mais conservador, do qual o próprio prefeito diz compartilhar.
Apesar de o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ter sido ausente na campanha e afirmar que não pediu cargos, seus aliados esperam estar contemplados no primeiro escalão. O tema foi motivo de disputas na formação do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) em 2022, novela que agora deve se repetir.
O próprio governador, maior fiador da reeleição de Nunes, possui uma indicação no secretariado municipal: o deputado estadual Rui Alves (Republicanos), no Turismo. O arranjo precisaria ser mantido para que outro aliado de Tarcísio, Danilo Campetti (Republicanos), eleito suplente na Assembleia Legislativa, preserve sua cadeira na Casa.
Da mesma forma, bolsonaristas que já ocuparam posições de destaque nos governos federal e estadual, como Sonaira Fernandes (PL) na Secretaria Estadual da Mulher e Fabio Wajngarten na Comunicação da Presidência da República, enxergam a reeleição de Nunes como uma nova oportunidade.
Especula-se ainda que o vice-prefeito Ricardo Mello Araújo (PL), indicado por Bolsonaro, acumule outros papéis e também entre na briga por pastas como Segurança ou Esportes. Outra alternativa é que ele coordene programas específicos ou tenha atuação mais transversal.
A grande coligação de 12 partidos é mais uma fonte de pressão para Nunes. A negociação envolve figurões como Milton Leite (União Brasil), Gilberto Kassab (PSD), Valdemar Costa Neto (PL), Ciro Nogueira (PP), Marcos Pereira (Republicanos), Renata Abreu (Podemos) e Paulinho da Força (Solidariedade).
De modo geral, esses partidos já estão acomodados no governo hoje, mas o novo gabinete de Nunes deve refletir as mudanças no tamanho das bancadas na Câmara Municipal, na opinião de vereadores eleitos. PL, União Brasil, MDB, PP e Podemos ampliaram suas bancadas, enquanto o Republicanos e o Solidariedade diminuíram.
Apesar de o PSDB ter desaparecido da Câmara e não estar na coligação de Nunes, dissidentes tucanos participaram intensamente da campanha pela sua reeleição e ocupam hoje postos chave, como Casa Civil, Desenvolvimento Social, Educação e Subprefeituras. Essa ala do PSDB também espera estar representada, bem como nomes ligados ao MDB.
Ainda é difícil saber quais serão as prioridades do prefeito a partir de 2025. Ao longo da campanha, Nunes preferiu exaltar números de sua gestão a fazer novas promessas. Quando as fez, optou por formulações vagas como “manteremos a política municipal de educação” e “continuaremos a expansão das Unidades Básicas de Saúde”.
Reeleito, o emedebista agora terá que cumprir algumas metas que não conseguiu entregar em seus quase três anos e meio de mandato, como implantar oito corredores de ônibus à esquerda e BRTs e iniciar obras em mais seis. Com a máquina na mão, ele só inaugurou um, de 4,1 km, apesar de ter prometido 40 km.
Enquanto isso, investiu o equivalente a sete vezes mais em asfalto, palavra que já não aparece em seu plano futuro. Agora, na área da mobilidade, Nunes indica que focará em dobrar os 200 km de Faixa Azul para motociclistas, medida contestada, e implantar o Mamãe Tarifa Zero, com gratuidade no transporte até as creches municipais.
Outra vitrine explorada em sua gestão que ele promete ampliar é o programa habitacional Pode Entrar. O prefeito costuma dizer que “viabilizou” 72 mil novas moradias, acima das 49 mil previstas, mas inclui na conta unidades em fase de contrato e obras, omitindo que na prática só entregou 10 mil.
Movimentos de moradia dizem que as faixas mais pobres da população não estão sendo priorizadas e criticam o peso excessivo da iniciativa privada nas construções -pontos que ele não indica que serão alterados.
Nunes deverá ser cobrado ainda pelo compromisso de contratar mais 2.000 guardas municipais, mesmo número que ele diz ter admitido desde 2022 (hoje são cerca de 7.000). Ele também deve continuar pagando policiais militares de folga para atuar para o município pela Operação Delegada, gasto que disparou neste ano.
Para colocar os planos em pé, ele terá um Orçamento recorde de R$ 123 bilhões no primeiro ano de mandato, quase 10% maior do que em 2024. O ritmo de crescimento, porém, deve começar a cair em 2026.
Há preocupação ainda com os gastos com custeio (salários, aposentadorias, manutenção etc.). Eles subiram 9% em 2023, mais do que as receitas (5%). Para 2024, a projeção é um aumento de 1% nas receitas, enquanto as despesas correntes subirão o triplo: 3%.
Dentro desses gastos estão os bilionários subsídios pagos pela prefeitura às empresas de ônibus para compensar o congelamento da tarifa, que Nunes mantém a R$ 4,40 desde 2020 -maior período em pelo menos 20 anos. Os usuários e vendas de crédito não cobrem nem metade dos custos do transporte.
A prefeitura pagou 57% desses custos em 2024 (até agosto), porcentagem que era de 40% no primeiro ano do mandato de Nunes. São R$ 6,5 bilhões previstos para o ano que vem, o equivalente a quase metade do Orçamento do Transporte e também dos R$ 13 bilhões que a prefeitura terá reservados para investimentos.
É nesse contexto que Nunes terá que decidir se manterá o congelamento ou não, decisão que também tem custos políticos. Ele já disse que “a ideia é que a gente possa manter” a tarifa, mas evita fazer uma promessa concreta. A decisão, segundo ele, dependeria do comportamento da inflação e do preço do diesel.
CAROLINA LINHARES, FERNANDA BRIGATTI E JÚLIA BARBON / Folhapress