MONTEVIDÉU, URUGUAI (FOLHAPRESS) – Sem surpresas, a apuração oficial de votos no Uruguai na madrugada desta segunda-feira (29) confirma que Yamandú Orsi, da Frente Ampla coalizão de esquerda e centro-esquerda , e Álvaro Delgado, do governista Partido Nacional, de centro-direita, disputarão segundo turno no vizinho brasileiro de 3,4 milhões de habitantes.
Com 99,92% dos votos apurados, o esquerdista reunia 43% de apoio, ante 26% do governismo. Quase 90% dos eleitores compareceram para votar no domingo (27), e o segundo turno ocorre em 24 de novembro.
Ao saírem rindo do centro de votação na Prefeitura de Montevidéu, os irmãos Sorrentino brincam: “Não, não viemos votar para a Presidência, viemos votar para o Congresso, é o que importa agora”, diz Paula, 50, docente universitária em Rivera, na fronteira com o Brasil.
Eles, claro, votaram para presidente. Mas com essa fala querem dizer que o que mais pesa neste primeiro turno é qual força política ganhará a maioria no Congresso. Ainda não se sabe a distribuição das vagas.
Como o presidente tem poucos mecanismos constitucionais para tomar decisões sozinho, e como o cenário presidencial já era praticamente dado como certo, quem conseguir maioria no Senado e na Câmara sai na dianteira para o acirrado segundo turno.
A porcentagem de votos pesa, mas muito mais está em jogo. O apoio obtido por Orsi nesta primeira rodada já reúne todos os braços da Frente Ampla, essa aliança de partidos mais e menos radicais que foi se moderando nas últimas décadas. Não é o caso de Delgado.
Aos votos que obteve neste primeiro turno, ele tende a somar para o segundo os votos de outras legendas importantes, a principal delas o Partido Colorado, que com o advogado Andrés Ojeda chamou atenção ao crescer nas pesquisas, mas não conseguiu ir ao segundo turno. Ou seja, Delgado e Orsi estão muito próximos em termos numéricos.
Em seu discurso no final do dia, o candidato governista frisou isso. Disse que a partir deste momento não representa apenas o seu partido, “mas um projeto majoritário”. Ele falava ao lado de Ojeda e outros líderes partidários. Orsi, por sua vez, discursou ao lado de sua candidata a vice.
Enquanto Paula votou pela continuidade do Partido Nacional, seu irmão, Fabrizio, 43, contador, votou por uma outra sigla da oposição, que prefere não falar. Os dois coincidiram em outros dois votos que o eleitor tinha que dar neste domingo.
Ambos não apoiaram o plebiscito chamado pelo setor sindical para mudar as regras de aposentadoria, mas, por outro lado, deram aval à consulta convocada pelo governo para permitir que a polícia fizesse invasões a residências durante a noite.
As duas propostas, porém, não receberam apoio suficiente. Elas eram sintomas de um país que vê na estagnação e no envelhecimento de sua população e no avanço do narcotráfico duas questões latentes e desafiantes para as quais nenhum governo até aqui apresentou soluções.
O projeto de Previdência propunha escrever na Constituição que a idade mínima de aposentaria após 30 anos de aportes seria de 60 anos, e não mais 65, como uma reforma do governo de Luis Lacalle Pou estabeleceu. Propunha ainda acabar com os fundos privados e igualar o valor mínimo da pensão ao do salário mínimo.
Nem os dirigentes da Frente Ampla apoiavam essa proposta, ainda que os tentáculos da coalizão mais próximos a sindicatos a promovessem. Um dos argumentos era o de que não faria sentido cravar na Carta uma idade que terá de ser revista em função do processo de envelhecimento do Uruguai, com cada vez menos pessoas em idade ativa.
Yamandú Orsi é próximo ao ex-presidente José “Pepe” Mujica, que, aos 89 anos e após enfrentar um tratamento contra câncer, teve sequelas de saúde e diz que está finalizando sua vida política. Mas pertence a uma nova geração da Frente Ampla que ainda não ganhou tração.
Como a reportagem mostrou, uma de suas propostas teria peso para o Brasil: Orsi quer frear o acordo de livre-comércio com a China que o governo de Lacalle Pou colocou na esteira por fora do Mercosul. Ele defende pautas como o combate à pobreza infantil (atinge 31% dessa parcela populacional), melhorias na educação e mais policiamento.
Ex-professor de história, ele foi governador do departamento de Canelones, nos arredores da capital Montevidéu. Para muitos, é importante que o candidato seja “de las afueras”, ou seja, de um grupo que não seja o da tradicional classe polícia de Montevidéu.
Já Álvaro Delgado, veterinário de formação, é um aliado de primeira hora de Lacalle Pou, de quem foi secretário-geral da Presidência. Isso não significa, porém, que tenha herdado o capital político do surfista e filho de ex-presidente que em 2019 levou o Partido Nacional ao poder após 15 consecutivos anos de Frente Ampla.
Mais de 2,7 milhões de uruguaios estavam habilitados para votar. Entre eles, uma pequena parcela de 5.560 imigrantes que ganharam força no país nos últimos anos.
Orgulho parecia definir a dominicana Esperanza Ortiz, 37, ao sair de uma escola que virou centro de votação a poucos metros da “rambla”, extensa avenida que acompanha o rio da Prata na capital. Há 11 anos no Uruguai, essa era a primeira vez em que votava. Teve de esperar cinco anos para tramitar a cidadania e mais três para ter o título de eleitor.
Esperanza diz que votou pela Frente Ampla. A coalizão estava no poder quando ela chegou ao país, em 2013, quando Mujica era presidente. Ela diz que a Frente fez muito mais pelos imigrantes, e que o governo atual não quer que mais estrangeiros cheguem ao país. Foi justamente o governo de Lacalle Pou, porém, o que regularizou a situação migratória de mais de 20 mil imigrantes, a maioria deles cubanos.
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A alternância no poder desde a redemocratização no Uruguai
Presidente – Período – Partido
Julio María Sanguinetti – 1985-1990 – Colorado
Luis Alberto Lacalle – 1990-1995 – Nacional
Julio María Sanguinetti – 1995-2000 – Colorado
Jorge Batlle – 2000-2005 – Colorado
Tabaré Vázquez – 2005-2010 – Frente Ampla
José “Pepe” Mujica – 2010-2015 – Frente Ampla
Tabaré Vázquez – 2015-2020 – Frente Ampla
Luis Lacalle Pou – 2020-2025 – Nacional
Partidos Nacional e Colorado: centro-direita
Frente Ampla: coalizão de esquerda e centro-esquerda
MAYARA PAIXÃO / Folhapress