Sally Rooney puxa onda de ‘sad girls’ descobrindo a feminilidade na literatura

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Narrativas com enredos positivos e finais reconfortantes nem sempre são ideais para todo leitor. A estudante de relações internacionais Malu Costacurta, 21, diz passa por um período de desnorteio com a própria vida, traduzido em livros que abordam tristezas e angústias.

Costacurta, que também é escritora e criadora de conteúdo, publicou em seu perfil no TikTok uma lista de “livros sobre mulheres tristes descobrindo sua feminilidade”. E ela não está sozinha na busca por esse gênero.

A depender dos cantos da internet que você explora, tem sido mais frequente encontrar vídeos similares de jovens adultas que agrupam as obras carinhosamente como de “mulheres doidas”.

Lideram as menções títulos como “Meu Ano de Descanso e Relaxamento”, de Ottessa Moshfegh, obras de Elena Ferrante e os últimos lançamentos da irlandesa Sally Rooney, de “Pessoas Normais”. Entre as brasileiras, títulos de Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles também são citados.

“Não é um livro que vai ajudar você a se encontrar, mas ele pode ajudar a respirar, a ver tudo com mais calma, e quando a gente se vê representado, nos sentimos menos sozinhos”, diz Costacurta.

Ao retratar o desamparo e a falta de perspectiva de futuro em suas obras, Rooney, de 33 anos, desperta uma legião de fãs. Para amantes do fenômeno, a publicação em setembro de “Intermezzo”, o mais recente da autora, veio em boa hora.

Com as temperaturas mais frias no hemisfério norte, leitoras compartilham suas rotinas de leitura reclusas com bebidas quentes, cobertores e roupas em tons terrosos para compor a estética “sad girl autumn” –ou outono da garota triste.

Mesmo com temperaturas que passam dos 35°C, no Brasil há quem tente criar a sua própria primavera triste. É o caso da criadora de conteúdo Maria Clara Quirino, 20, que diz se identificar com os defeitos e as falhas de comunicação dos personagens. “É tão bom conhecer personagens que têm erros e conhecer os pensamentos mais intrusivos deles”, afirma.

Adrienne Morelato, doutora em estudos literários pela Unesp, explica que vivemos em um tempo melancólico no pós-pandemia. Segundo ela, as crises climáticas e econômicas, guerras e a noção fragmentada do tempo fazem com que algumas pessoas encontrem conforto na literatura que trata de personagens passando por experiências e sentimentos similares.

Além da tristeza e ansiedade, Quirino também aponta a raiva como um sentimento abordado com mais qualidade agora. “Vemos a raiva masculina descontrolada há muito tempo e aprendemos que a feminina tem que ser mais sutil, mantida para si”, diz.

Para a psicóloga Fernanda Cristina Dias, é preciso entender as diferenças entre afetos comuns e estados patológicos. “A indústria farmacêutica tem levado a um excesso de diagnósticos, o que é um reflexo dessa sociedade em que vivemos na qual você tem que ser perfeito, não pode sentir nada”, explica.

Ela diz, citando o psicanalista Donald Winnicott, que o indivíduo saudável deve ser capaz de receber os aplausos pelos sucessos e as censuras pelas falhas, e usá-los de maneira construtiva para entender seus sentimentos sem se martirizar.

No entanto, a professora Adrienne Morelato afirma que a conquista deste espaço nas prateleiras das livrarias vem após um longo processo de estigmatização da escrita feminina. Aos poucos, o mercado supera a limitação de temas e estilos literários reservados às mulheres.

“São sentimentos de alguém que foi alijado e por isso pode falar sobre essa subjetividade”, afirma. “A melancolia na mulher é mais potente, ela sabe fazer da falta, do que não se diz, a sua linguagem.”

O único perigo, diz Dias, é se reconhecer nas personagens a ponto de se colocar em uma posição fixa de vítima. “O melancólico se lamenta eternamente, tem uma agressividade voltada para si”, diz ela, reiterando que leituras podem ser ferramentas importantes para elaborar os próprios sentimentos.

A psicóloga nega a apropriação do rótulo de “livros de mulher doida”. “Vem de uma ideia machista de que mulher não pode expressar emoções sem ser colocada no lugar de desequilibrada. Às vezes, não é melancolia ou loucura, são apenas emoções humanas.”

REBECA OLIVEIRA E SUSANA TERAO / Folhapress

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