Glauber Rocha chorou nos meus braços quando exilado, diz Francis Ford Coppola

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nesta segunda-feira (28), o diretor americano Francis Ford Coppola participou de uma coletiva no Teatro B32, em São Paulo. O evento, fechado para convidados e imprensa, faz parte da tour de lançamento de seu novo filme, “Megalópolis”. O filme acompanha o embate entre César Catalina, um artista visionário interpretado por Adam Driver, e Franklin Cicero, o ganancioso prefeito da cidade fictícia de Nova Roma, papel de Giancarlo Esposito.

“Megalópolis” teve a sua estreia no Festival de Cannes desse ano e o diretor será homenageado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, nesta quarta-feira (30), com o prêmio Leon Cakoff. O evento começou com uma retrospectiva de suas cenas mais icônicas, adiantando a sua entrada no palco. Igor Kupstas, diretor da O2 Play, introduziu a conversa, que contou com a mediação da crítica Isabela Boscov. A plateira foi convidada a fazer perguntas.

Fundamental para a Nova Hollywood, movimento que desafiou o cinema americano nos anos 1960, Coppola nunca dosou a ambição em seus projetos. Seja pela aclamada trilogia que adaptou o clássico literário de Mario Puzo, “O Poderoso Chefão”, por retratar a Guerra do Vietnã no épico “Apocalipse Now”, por sua visão do personagem mítico em “Drácula de Bram Stoker”, ou mesmo por projetos de menor sucesso comercial como o musical “O Fundo do Coração”, seus filmes sempre buscaram novas interações entre o público e as suas imagens.

“Eu trabalhei em vários filmes muito diferentes. Comecei com ‘O Poderoso Chefão’, com um estilo bastante clássico. Depois, com ‘Apocalipse Now’, trabalhei com um épico. Eu me perguntava se em sessenta anos seria capaz de reconhecer minha própria assinatura no cinema”, diz ele.

Com ‘Megalópolis’, isso não foi diferente. O diretor acredita tanto no projeto que vendeu parte de suas vinícolas para financiar a produção do longa. A luta para conseguir distribuição também foi difícil. Ao olhar para a versatilidade de sua filmografia, ele conta que percebeu uma grande vontade de realizar um épico romano.

“Eu me dei conta de que a América havia se tornado a nova Roma. Então não teria como o filme não se passar na América. Megalópolis é uma tentativa de prever o futuro, quando não sabemos se o futuro será ditado por ditadores ou líderes humanitários.”

Ele lembra de quando recebeu Glauber Rocha, diretor brasileiro que teve participação fundamental em movimentos artísticos como o Cinema Novo, em São Francisco, nos Estados Unidos. Rocha estava exilado do Brasil na época por conta das perseguições da Ditadura Militar.

“Eu acredito que o Brasil tem uma herança muita rica no cinema. Eu recebi Glauber Rocha em minha casa e ele chorou nos meus braços, temendo talvez nunca voltar ao Brasil. Como um diretor que amava tanto o seu país poderia correr esse risco?”

Ele cita obras como “Pixote”, de Hector Babenco, e “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles, como filmes que inspiraram a sua trajetória. “Tem uma cena de ‘Cidade de Deus’ que inspirou ‘Megalópolis’. Assim como o filme também se inspira em uma cena de a ‘Branca de Neve’! Ele é uma mistura de tudo que eu já assisti, de tudo que já me tocou. Eu quero fazer parte de tudo aquilo que me emociona”, conta Coppola.

O cineasta também resgatou a importância que a cidade de Curitiba teve para o projeto. A capital lhe ajudou a imaginar como seria o mundo utópico construído em “Megalópolis”. “Eu visitei Curitiba cerca de vinte anos atrás, em uma época em que a cidade começava a se dar conta do quão populosa se tornaria São Paulo. Então eles começaram a estudar novas maneiras de receber e abrigar cidadãos que viessem morar ali”. Ele cita o urbanista e ex-governador do Paraná, Jaime Lerner (1937-2021) como uma inspiração direta para o protagonista de Adam Driver.

Desde a primeira exibição do filme, e com sua entrada no circuito americano, as reações tem sido divisivas e “Megalópolis” vem fracassando nas bilheterias do país.

“Todos acham que eu trabalhei no filme por quarenta anos, o que não é verdade. E também sabem o quanto eu gastei, o que sim é verdade. Então muitos acreditam que o filme não poderia fracassar. Mas ele jamais conseguiria fazer tanto dinheiro quanto um ‘Guardiões da Galáxia 4’ ou ‘Homem Aranha 6’.”, afirma Coppola.

Ele cita a conturbada produção de “Apocalipse Now”, filme desencorajado por diversos produtores nos anos que antecederam a sua realização. “Do que adiantavam os Oscars e o dinheiro se eu não podia fazer o filme que queria? Esse é o desafio do cinema. Assim como o filme [Apocalipse Now], ‘Megalópolis’ será muito assistido no futuro”, diz o diretor.

Coppola compara os longas e suas recepções e encoraja os filmes arriscados, que seriam uma parte fundamental do cinema. Segundo ele, artistas não devem temer riscos. Esse temor seria reservado aos homens de negócios. “Em qualquer filme, não há nada na tela. Está tudo em você, todas as emoções vem de quem assiste. Se você compra a ilusão, e ela funciona, o filme funciona.”

O diretor ainda critica o atual modelo de produção de filmes. Esse processo estaria cada vez mais acelerado, com o lançamento massivo de obras muito semelhantes entre si. “Os filmes hoje são fast food. Os estúdios gastam centenas de dólares para fazer algo barato e que as pessoas querem comer o tempo todo”, afirma Coppola.

Segundo ele, a comunicação e a arte tem sofrido processos de deteriorização, organizados por sistemas que se repetem ao longo do tempo. Coppola defende que a arte deve ser algo pessoal e que parta de um assunto significativo para o seu autor. Assim como nos anos 1960, acredita que a necessidade de se impor contra o sistema se mantém.

“Existem muitos sistemas que controlam que filmes as pessoas irão assistir ou não. O sistema de estrelas, portais de crítica como o Rotten Tomatoes. Assim como o jornalismo, o sistema hollywoodiano, que está morrendo, talvez não me queira mais. Mas eu acredito que o cinema ainda renascerá”.

MEGALÓPOLIS

– Quando Estreia nos cinemas em 31 de outubro

– Classificação Não divulgada

– Elenco Adam Driver, Aubrey Plaza e Giancarlo Esposito

– Produção EUA, 2024

– Direção Francis Ford Coppola

DAVI KRASILCHIK / Folhapress

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