Lula não tem visão estratégica para o agro, diz seu ex-ministro

LONDRES, INGLATERRA (FOLHAPRESS) – Roberto Rodrigues, 82, professor emérito da FGV (Fundação Getulio Vargas) e ex-ministro da Agricultura no governo Lula 1, afirma que falta ao presidente em seu terceiro mandato visão estratégica para alavancar e proteger o agronegócio brasileiro da competição externa.

“Há um desafio pela frente, universal, que nós podemos ajudar de verdade a resolver, com estratégia e protagonismo. Mas acho que não estão olhando para isso. Fico louco com esse negócio”, afirma. “Eu vejo a agricultura empenhada nisso. Mas o governo federal, não.”

Rodrigues elogia o trabalho do ministro Carlos Fávaro (Agricultura), mas critica a falta de interesse do governo como um todo em garantir acordos comerciais com grandes países consumidores, como China e Índia.

Rodrigues critica ainda a lentidão dos estados em aplicar o código florestal brasileiro para impedir o desmatamento. O ministro participou na terça (29) do Lide Brazil Conference, em Londres, promovido pela Folha de S.Paulo, UOL e Lide.

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PERGUNTA – O agro brasileiro é uma história de sucesso, mas temos questões importantes pela frente, como desmatamento e, como vimos neste ano com a falta de chuvas, a mudança climática. Em que pé estamos?


ROBERTO RODRIGUES – Dos anos 1990 até hoje, a área plantada com grãos no Brasil cresceu 111%; e a produção, 445%. E poupamos 115 milhões de hectares nesse processo. Temos duas safras, mas em alguns pontos do país, até três. Plantamos numa área de 62 milhões de hectares que equivalem a 80 milhões com duas safras.

Na área florestal, já estamos, de acordo com a Ibá [Indústria Brasileira de Árvores], com 10 milhões de hectares de floresta plantada. Basicamente, para a vida industrial. Para lenha ou para papel e celulose, entre outras. E o setor de árvores plantadas ainda preserva 6,5 milhões hectares de matas nativas. É um setor muito sustentável.

Outro ponto é que a matriz energética brasileira é 48% renovável; a do mundo é 15%. Então, a nossa é três vezes maior do que a do mundo. Isso as pessoas sabem em geral. Mas o que quase ninguém sabe é que o que vem da agricultura é praticamente 25% da matriz energética brasileira.

O que vem da agricultura no Brasil em termos de energia é mais percentualmente de matriz energética do que a área renovável do mundo inteiro.

O grande problema dos países desenvolvidos é combustível, derivado de petróleo. Ficam tratando o carro elétrico como solução, sem falar como a energia para ele será gerada, o que acaba sendo altamente poluidor.

P – E a questão climática, que está se tornando cada vez mais séria?

RR – É um negócio inequívoco [a mudança climática], está acontecendo mesmo, e tem que se adaptar e mitigar. Isso aí é fundamentalmente um trabalho de ciência e tecnologia. Variedades mais adaptadas a terrenos mais secos, por exemplo.

Isso já está sendo feito, não só pela Embrapa, mas pelo setor privado também, pelas empresas nacionais e multinacionais, que tratam de novas variedades. Estão trabalhando fortemente nessa questão de adaptação.

Isso é um tema que vai ter um impacto planetário. Porque não é no Brasil. Isso vai ter uma repercussão muito grande, e o Brasil está na frente no tema da tecnologia tropical sustentável.

P – Mas e o desmatamento no Brasil, as queimadas?

RR – O desmatamento ilegal tem que acabar. Isso é política pública. É um negócio que tem que acontecer. Quem fala muito sobre isso é o Aldo Rebelo, que conhece muito mais do que eu. Ele diz que a Amazônia está dominada pela droga, pelo tráfico, pelo banditismo.

Não sei qual é o tamanho desse negócio, mas é preciso acabar com o desmatamento ilegal, incêndio criminoso, invasão de terra pública ou privada, garimpo. Isso tem que acabar.

Na comunidade global, as pessoas sabem que não é o produtor que faz isso. Mas há um propósito de confundir o consumidor. O consumidor não sabe nem onde é o Brasil, se a Amazônia é legal ou é ilegal, o que está acontecendo lá. Mas é um tema que tem que ser destacado e que não é um tema do agro. É de política pública.

P – O que vemos muitas vezes é uma postura reativa das autoridades, como no caso dos yanomamis no início do ano passado, ou das recentes queimadas. O desmatamento é um problema, inclusive comercial para o Brasil. Mas não existe política consistente. Como avalia? 


RR – Tudo isso passa basicamente por uma questão inequívoca: nós não estamos aplicando o Código Florestal. Essa é a verdade. O CAR [Cadastro Ambiental Rural, sistema que integra informações ambientais georreferenciadas das propriedades e posse, compondo base de dados para controle, monitoramento e combate ao desmatamento] até hoje não foi realizado. Há uma preguiça, entre aspas,

Tem que ter uma estratégia altamente discricionária nesse aspecto. É ilegal? Acabou. Não é não. Como dizia o governo passado: “Não vamos permitir a desmatamento ilegal até 2030”. Até 2030? Tem que acabar amanhã, pô!

P – O que os governos estaduais têm de fazer exatamente?


RR – O CAR tem que ser uma ação conjunta do governo estadual e federal. Mas o principal é o estadual, porque o produtor rural declara o CAR. Mas ele tem que ser ratificado pelo governo do estado para poder ter valor efetivo. Senão, os interesses clandestinos prevalecem. E aí vem o desmatamento ilegal, todo tipo de sacanagem.

Quem fez alguma coisa mais consistente até agora foi o Mato Grosso e São Paulo. No geral, todos estão todos muito atrasados. Isso já tem 12 anos. Já era para estar pronto. Demora, demora… É uma coisa que, por razões que eu não consigo entender, não há um interesse. E, para nós, produtores, e para a política pública, é fundamental.

P – Temos um cenário de desaceleração na China, nosso principal consumidor de alimentos. Como o sr. vê a perspectiva futura, levando em conta que muitos países do norte, até com o aquecimento do globo, planejam aumentar a área plantada?

RR – Muita gente fica dizendo: “Fica tranquilo, porque eles dependem de nós”. Agora, na minha visão, ninguém precisa de ninguém. O que o Brasil fez nos últimos 30 anos é realmente espetacular, maravilhoso. Ganhamos mercado.

No ano 2000, o agronegócio exportou US$ 20 bilhões. No ano passado, US$ 166 bilhões. Este ano, vamos passar disso. Se fizermos isso, tiramos o mercado de alguém. Quem ficou fora não está contente. E vai fazer todo tipo de coisa para impedir que isso vá adiante. Tipo a legislação contra o desmatamento da Europa. Isso é um processo defensivo. 


Então, temos que trabalhar muito mais do que fizemos até hoje para eliminar todo e qualquer obstáculo que coloque nossa agricultura diante da desconfiança do comprador.

Seja como for, tem que ter comida e tem que ter energia. Chamo atenção para o que qualifico como os quatro modernos cavaleiros do apocalipse: segurança alimentar, transição energética, desigualdade social e mudança climática. Esses quatro fantasmas têm que ser assassinados. E serão assassinados pelo agro.

Porque é o agro que vai gerar alimento, que vai mudar a matriz energética. Que vai conter os desmatamentos e a mudança climática. Vai gerar emprego. Mas qual agro? O agro tropical do planeta. Que pega essa faixa tropical e incorpora a América Latina, toda a África subsariana e uma parte da Ásia também.

P – Falta visão estratégica do Estado brasileiro neste sentido?

RR – Falta, e há um desafio pela frente, universal, que nós podemos ajudar de verdade a resolver, com estratégia e protagonismo. Mas acho que não estão olhando para isso. Fico louco com esse negócio. Em dez anos, a oferta mundial de alimento tem que crescer 20% para não faltar comida para ninguém. Mas para crescer 20%, o Brasil tem que crescer mais de 30%.

Porque temos terra disponível, tecnologia, gente. O mundo olha para nós esperançoso e com respeito. E nós não estamos fazendo. Eu vejo o [Carlos] Fávaro [ministro da Agricultura] lutando como louco para essas coisas acontecerem. E ter um protagonismo maior. Eu vejo a agricultura no Brasil empenhada nisso.

Mas o governo federal, não. Não vejo o governo brasileiro olhando essa questão do ponto de vista estratégico.

É aqui que a coisa vai explodir. Mas alguém tem que liderar isso. Quem desenvolveu um agro tropical sustentável foi o Brasil, que tem de ter clareza do seu papel.

P – O que está faltando?

RR – Visão. Tecnologia é a base, é essencial. Segundo: acordos comerciais. O Fávaro fez mais de 200 acordos comerciais já. Mas em pequenos temas, em nichos. Tem que ter um acordo comercial com a Índia, com a China. Não temos um acordo comercial com a China! Nós plantamos no Brasil hoje 47 milhões de hectares de soja. Cerca de 25 milhões vão para a China.

E a China anuncia que talvez vá plantar 10 milhões de hectares de soja na África. Então, temos que amarrar um acordo comercial. É um negócio brutal a importância disso.

O governo todo tem de estar metido nisso. Não é uma questão só da Agricultura. Tem que ter estratégia para arrombar a boca do balão. Temos uma diplomacia extraordinária, que precisa botar a sua força em um acordo comercial.

Outra coisa: infraestrutura e logística. Faz 30 anos que a gente fala e não acontece nada. Porque nós fomos para o Centro-Oeste, mas a logística não foi. Não tem trem, não tem armazém, não tem coisa nenhuma. É essencial que essa coisa aconteça para criar mais condição competitiva para nós.

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RAIO X

ROBERTO RODRIGUES, 82

Professor emérito da FGV e embaixador especial da ONU para a Alimentação e a Agricultura para o Cooperativismo, foi ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento entre 2003 e 2006, no governo Lula 1, e secretário de Agricultura do Estado de São Paulo (1993-1994). É engenheiro agrônomo formado pela Esalq‑USP.

FERNANDO CANZIAN / Folhapress

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