Crianças de até um ano no Brasil enfrentaram até 250% mais ondas de calor de 2014 a 2023 comparadas aos bebês de mesma idade no período de 1986 a 2005.
Similarmente, idosos com mais de 65 anos também vivenciaram 234% mais calor extremo no mesmo período, comparado ao intervalo de tempo anterior.
Na população economicamente ativa brasileira, a maior exposição a dias de calor representou, também no período de 2014 a 2023, uma perda de 6,2 bilhões de horas de trabalho devido às temperaturas elevadas, gerando uma perda potencial anual de US$ 19,6 milhões (cerca de R$ 152,2 mi corrigidos pela inflação).
Além disso, o aumento das temperaturas médias anuais no país associado às mudanças climáticas elevaram as precipitações, provocando um crescimento de doenças infecciosas transmitidas por mosquitos, como dengue, de 29% no período. Outras doenças, como as provocadas por inundações e contaminações da água, também cresceram.
Em contrapartida, nenhuma das dez cidades analisadas desde 2015 melhorou a sua cobertura vegetal ou apresentou estratégias para mitigação dos efeitos do aquecimento global às suas populações.
As conclusões são do relatório mais recente de saúde e mudança climática Lancet Countdown, produzido pela mais prestigiada revista médica do mundo, que contou com a colaboração de 122 cientistas líderes de agências da ONU (Organização das Nações Unidas) e instituições acadêmicas de todo o mundo.
A publicação, divulgada nesta terça-feira (29), é o nono relatório produzido pelo grupo desde a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, e revela as descobertas mais preocupantes até agora nos oito anos de monitoramento da comissão.
No âmbito global, o estudo aponta que 10 dos 15 indicadores de saúde e mudanças climáticas analisados atingiram níveis recordes no último ano, tais como mortalidade relacionada ao calor, aumento da população exposta à secas severas e aumento à exposição a dengue, malária e outras arboviroses devido à intensificação das chuvas.
No caso da mortalidade associada ao calor, o relatório diz que esse número aumentou 167% no último ano em comparação com os anos 1990, o que equivale a 102 pontos percentuais acima do que havia sido estimado no final do século passado –o que indica, também, uma falha das tentativas de limitar o aquecimento global em 1,5°C, meta preferencial do Acordo de Paris.
Os autores chamam a atenção também para o fato de, em 2023, o número de dias extras de temperaturas que ameaçam a saúde além do esperado chegou a inéditos 50 dias, quantidade que não seria atingida se não houvesse uma aceleração das mudanças climáticas.
No mesmo ano, 48% da área terrestre global foi atingida por seca extrema, o segundo nível mais alto registrado, além de um recorde de emissão de gases de efeito estufa 1,3% maior em relação a 2022, de acordo com a OMM (Organização Meteorológica Mundial), ligada à ONU.
Para Marina Romanello, diretora executiva da Lancet Countdown, uma das principais descobertas do estudo é o nível recorde de ameaças à saúde das mudanças climáticas.
“Mais uma vez, o ano passado quebrou recordes de mudanças climáticas, com ondas de calor extremas, eventos climáticos mortais e incêndios devastadores afetando pessoas ao redor do mundo. Nenhum indivíduo ou economia no planeta está imune às ameaças à saúde provenientes das mudanças climáticas”, disse ela, em comunicado.
Mesmo com todos esses impactos, as ações dos países para reduzir os efeitos das mudanças climáticas foram muito aquém do esperado, afirma. “Apesar do conhecimento dessas ameaças recordes à saúde, governos e empresas continuam alimentando e oferecendo subsídios para a indústria de combustíveis fósseis.”
Segundo o relatório, os riscos à saúde global foram exacerbados por anos de atraso na adaptação, deixando milhões de pessoas em todo o mundo vulneráveis às ameaças das mudanças climáticas -cerca de 7 em cada 10 países no mundo disseram ter implementado ações de emergência de saúde obrigatórias por lei em 2023, dos quais 11% eram países de baixa renda.
Outro ponto levantado pelo estudo diz respeito ao avanço, de 2016 a 2022, do desmatamento, com perda de quase 182 milhões de hectares de florestas (equivalentes a 5% da área florestada em todo o mundo), o que reduz a capacidade natural de captura do carbono. O Brasil foi, no período, o segundo país com o maior avanço de perda florestal.
Romanello ressalta que redirecionar os trilhões de dólares que são investidos anualmente na indústria de combustíveis fósseis iria proporcionar uma transição justa e equitativa para a energia limpa e um futuro mais saudável, beneficiando em última instância a economia global.
Mas nem tudo está perdido. Algumas ações, como o desligamento de usinas de carvão em países ricos, reduziram em quase 7% as mortes atribuídas à poluição causada por material particulado (o chamado PM 2,5) em ambientes externos, mostrando o potencial benefício da eliminação deste tipo de combustível.
“À medida que recordes preocupantes continuam a ser quebrados, o bem-estar, a saúde e a sobrevivência dos indivíduos em todos os países agora estão no limite. Prevenir as consequências mais catastróficas para o desenvolvimento humano, a saúde e a sobrevivência requer agora o apoio e a vontade de todos os atores da sociedade”, concluem os autores.
ANA BOTTALLO / Folhapress