SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Santas Casas na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) pretende questionar, a partir desta terça (29), o endividamento da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, hoje na casa dos R$ 600 milhões, mesmo com demissões, venda de equipamentos e imóveis nos últimos anos.
Segundo documento enviado para a CPI, obtido pela Folha, as medidas sugeridas por uma consultoria contratada para sanar as dívidas causaram diminuição na qualidade do atendimento e diminuição do patrimônio sem frear as dívidas.
A Santa Casa de Misericórdia é dona de imóveis históricos na capital paulista, alguns frutos de doações ao longo de 460 anos de fundação.
Em outubro, a instituição voltou a negociar a venda de alguns desses prédios com objetivo de levantar R$ 200 milhões, como o antigo Colégio São José, na Liberdade, e um prédio no Vale do Anhangabaú. Os dois são tombados por institutos de patrimônio histórico.
Em 2019, os mantenedores da Santa Casa já negociaram propriedades, como o antigo terreno do Mappin, na praça Ramos de Azevedo, também na região central da cidade.
O local foi vendido por R$ 70 milhões para a São Carlos Empreendimento, empresa dos bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Em 2023, o trio o revendeu por R$ 71 milhões para a inauguração de um novo Sesc.
O QUE A CPI QUER SABER
A CPI (Comissões Parlamentares de Inquérito) pretende questionar como os negócios ainda não têm surtido efeito nas contas da instituição, que também recebe repasses do SUS (Sistema Único de Saúde). Entre os pontos questionados, além do prédio do Mappin, também está a venda das operações do hospital Santa Isabel por R$ 280 milhões, em 2021.
O hospital particular no centro da cidade fazia atendimentos particulares e de convênios para gerar receita à instituição filantrópica.
À época, a dívida da Santa Casa ficou em R$ 214 milhões após o negócio, segundo balanço da própria instituição. No mesmo ano, uma negociação garantiu uma redução de juros de dívidas junto à Caixa Econômica Federal.
Segundo o relato entregue à CPI, as vendas foram sugeridas pela consultoria FIA (Fundação Instituto de Administração). A fundação também manteve a demissão de profissionais de saúde, que já aconteciam a ao menos desde 2017.
De acordo com o documento enviado para a CPI, um médico da Santa Casa afirmou a membros da comissão que teria alertado a direção sobre a “possibilidade de diminuição de qualidade do ensino médico” e do atendimento com os cortes em 2019. “Como resposta a esse alerta, fui sumariamente demitido”, afirmou no documento.
Na ocasião, sete médicos protestaram contra a demissão em uma carta enviada à diretoria de Operações em Saúde da Santa Casa.
“Sabemos que o desligamento de funcionários para a redução de folha de pagamento pode ser uma medida administrativa necessária, desde que os critérios sejam bem definidos e discutidos com as lideranças médicas e não médicas”, escreveram.
À Folha, o mesmo médico disse que as medidas deixaram pacientes à espera de cirurgias cardíacas internados em alas ortopédicas e que a FIA não tem experiência com hospital.
O médico também se queixou da venda de aparelhos, como um tomografo, por R$ 40 mil, e um aparelho de hemodinâmica, capaz de diagnosticar doenças vasculares, por R$ 30 mil para uma empresa de produtos médicos.
A reportagem questionou o valor do contrato com a consultoria e sobre a venda dos equipamentos.
Em nota, a Santa Casa afirma que a venda se tratou de uma substituição por aparelhos mais modernos. “A decisão pelas substituições foi baseada em obsolescência e/ou mau funcionamento” e que a “baixa dos equipamentos foi autorizada pela Vigilância Sanitária”.
Ainda em nota, a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo afirma, sem detalhar valores, que a FIA foi contratada entre 2018 e 2020, quando o contrato de prestação de serviço foi encerrado, e que ações que “tiveram como norte a sustentabilidade da instituição e foram pautadas por critérios técnicos e objetivos” que geraram “grandes alterações de fluxos institucionais e procedimentos internos para otimização dos recursos.”
A CPI das Santas Casas também pretende obter informações de outras Santas Casas de Misericórdia espalhadas pelo estado.
MARCOS CANDIDO / Folhapress