SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Ministério das Relações Exteriores da Venezuela afirmou nesta quarta-feira (30) que convocou seu embaixador em Brasília para consultas após declarações de autoridades brasileiras dentre elas, o “mensageiro do imperialismo norte-americano” Celso Amorim, nas palavras da pasta.
O regime de Nicolás Maduro, outrora aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nunca havia usado palavras tão duras para se referir a autoridades brasileiras. Já desgastada, a relação entre os dois países degringolou após as eleições do fim de julho na Venezuela, nas quais Maduro foi declarado vencedor em meio a denúncias de fraude e ampla rejeição da comunidade internacional.
Em seguida, o presidente da Assembleia Nacional e peça-chave para a manutenção de Maduro no poder, Jorge Rodríguez, afirmou que pediria ao Legislativo que declarasse Amorim “persona non grata” por sua “posição absolutamente prostrada aos desígnios do império agressor” contra a Venezuela.
De acordo com o comunicado da chancelaria, o objetivo da represália é “manifestar seu mais firme repúdio às recorrentes declarações intervencionistas e grosseiras de porta-vozes autorizados pelo governo brasileiro, em particular as proferidas pelo assessor especial em assuntos exteriores, Celso Amorim”.
A nota afirma que o ex-chanceler “tem se dedicado de maneira impertinente a emitir juízos de valor sobre processos que dizem respeito apenas aos venezuelanos”, “agindo mais como um mensageiro do imperialismo norte-americano”. Essa postura, continua o comunicado, está “minando as relações políticas e diplomáticas entre os Estados”.
Além de convocar o embaixador Manuel Vadell, o regime também chamou o encarregado de negócios da embaixada do Brasil em Caracas, Breno Hermann. A represália ocorre na esteira do veto brasileiro à entrada da Venezuela no Brics, citado pela pasta como uma “atitude anti-latino-americana, contrária aos princípios fundamentais da integração regional”.
A atitude foi lida por Caracas como uma “punição coletiva a todo o povo venezuelano”, semelhante às sanções de que a ditadura foi alvo na última década. “A Venezuela se reserva, no âmbito de sua política externa, as ações necessárias em resposta a essa atitude, que compromete a colaboração e o trabalho conjunto que até agora haviam sido desenvolvidos”, diz a nota.
As ações ocorrem um dia após Amorim afirmar, em uma comissão da Câmara dos Deputados, que a reação venezuelana ao veto é “totalmente desproporcional, cheia de acusações ao presidente Lula e à chancelaria”.
Na véspera, Maduro havia acusado o Itamaraty de estar vinculado ao Departamento de Estado americano e chamado um funcionário da pasta de fascista. Na ocasião, o ditador gastou 40 minutos das 2h30 de seu programa semanal, o Con Maduro Más, para falar sobre as relações com o Brasil.
As declarações de Amorim na comissão foram citadas também por Jorge Rodríguez. Em um comunicado de quatro páginas, o político chavista afirma que, após as eleições, quando esteve na Venezuela, o diplomata brasileiro pareceu mais um enviado do conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, do que de Lula.
“Nos perguntamos, sua intenção foi ajudar, senhor Amorim? Ou sua presença se prestou ao propósito de cumprir um triste papel de traíra e ajoelhado?”, pergunta Rodríguez na nota. “Solicitaremos à plenária da Assembleia Nacional da República Bolivariana de Venezuela que o declare persona non grata, e não nos importam os compromissos e conluios a que chegou com seus amos do Norte. Arraste para a história o lodo de seu nome por servir de instrumento de agressão de um império assassino.”
As provocações pouco diferem das que são destinadas a críticos do regime, normalmente acusados de estarem a serviço dos EUA ou serem agentes do imperialismo. O alvo, no entanto, seria improvável alguns meses atrás Amorim vinha mantendo a porta aberta para diálogos com Maduro em meio ao rechaço internacional posterior às eleições e à repressão nas ruas da Venezuela.
As denúncias dizem respeito principalmente à ocultação das atas eleitorais que comprovariam a vitória de Maduro, contrariando a legislação venezuelana. Os documentos apresentados pela oposição, por sua vez, foram publicados em um site e checados por mais de um instituto independente. Eles apontam para a vitória do opositor Edmundo González, atualmente exilado na Espanha após ser alvo de um mandado de prisão.
Amorim disse ter questionado Maduro sobre as atas durante um encontro no Palácio de Miraflores, depois do pleito. O líder teria dito que os documentos seriam publicados nos próximos dias. “Isso não ocorreu. Investimos muito em uma eleição isenta, e esses fatores criaram um mal-estar. Há um mal-estar hoje no governo [com Caracas]. Torço para que desapareça”, declarou Amorim em seu depoimento à Câmara na terça (29).
As atitudes de Caracas nesta quarta são mais uma evidência de que a tentativa do Brasil de se reaproximar da Venezuela após Lula voltar ao Palácio do Planalto, em 2023, fracassou. Em maio daquele ano, o petista recebeu o ditador em Brasília depois de quatro anos de relações rompidas entre os dois países, durante o mandato de Jair Bolsonaro (2019-2022).
Na ocasião, Lula chamou a visita de “momento histórico” que refletia “uma política externa séria” e chamou de “narrativa” a visão de que Caracas está sob uma ditadura, o que lhe rendeu críticas. “Cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possa efetivamente fazer as pessoas mudarem de opinião”, afirmou à época.
DANIELA ARCANJO / Folhapress