BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A equipe econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avalia criar um limite global para as despesas obrigatórias, que seguiria o mesmo índice de correção do arcabouço fiscal (expansão de até 2,5% acima da inflação ao ano).
Caso os gastos obrigatórios (que incluem benefícios previdenciários, assistenciais, folha de salários e benefícios como seguro-desemprego) avancem acima desse patamar, gatilhos de contenção seriam acionados para ajudar a manter a trajetória de despesas sob controle.
As medidas de ajuste em estudo pelo governo poderiam compor a lista de gatilhos ou ser implementadas de forma avulsa. É possível também combinar ambos os formatos. Os cenários ainda estão em análise.
A mudança dependeria da aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição). Nesta quarta-feira (30), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que parte das medidas “invariavelmente” precisará de PEC, mas não deu detalhes.
Segundo técnicos a par das discussões, o limite para as obrigatórias com gatilhos de contenção seria uma forma de guiar as expectativas dos agentes econômicos, que hoje antecipam as incertezas com o futuro do arcabouço fiscal.
Temores de que a regra seja insustentável a partir de 2027 têm contribuído para a avaliação mais pessimista da política fiscal já no momento presente, o que se reflete nas taxas de juros e no câmbio. Na na terça-feira (29), o dólar fechou na maior cotação desde março de 2021.
O crescimento acelerado das despesas obrigatórias, em ritmo superior ao teto global do arcabouço, é justamente a raiz da desconfiança quanto à sustentabilidade da regra fiscal proposta por Haddad.
No acumulado do ano até agosto, o gasto com benefícios previdenciários cresceu 3,4% acima da inflação em relação a igual período de 2023. A fatura com abono salarial e seguro-desemprego avançou 7,8% em termos reais. No BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, a alta foi ainda mais expressiva, de 16,6%.
Por isso, a lógica, segundo um dos participantes, é desacelerar essa expansão, gerenciando expectativas e prevendo instrumentos que ajudem nessa tarefa.
Nesta quarta, Haddad deu a senha para as mudanças em estudo. “A ideia é que as partes caibam no todo e o arcabouço tenha sustentabilidade no médio e longo prazo. O que vai acontecer se as despesas obrigatórias continuarem crescendo nesse ritmo? Essa é a dúvida do mercado. O impacto será o necessário para o arcabouço ser cumprido independente da dinâmica de uma rubrica ou não”, disse.
As medidas ainda estão em discussão dentro do governo, e ainda não há uma lista fechada de quais contenções seriam aplicadas. Gatilhos de desindexação, que imponham uma correção menor (apenas pela inflação) a políticas hoje vinculadas ao salário mínimo, são considerados difíceis de avançar. O formato final vai depender do aval de Lula.
Os gatilhos são uma figura já presente no arcabouço fiscal aprovado em 2023. Lá, eles são acionados em caso de descumprimento da meta de resultado primário, obtida a partir do saldo entre receitas e despesas.
Caso haja estouro da meta, o ritmo de crescimento das despesas totais fica menor no período seguinte ao da verificação do resultado. Há ainda o disparo gradual de gatilhos para frear as despesas.
No primeiro ano, as vedações alcançam criação de cargos, alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa, criação de despesa obrigatória, concessão de benefícios tributários ou reajuste de despesa acima da inflação (à exceção da política de valorização do salário mínimo).
Se o governo descumprir a meta por dois anos seguidos, ele ainda fica proibido de conceder aumentos salariais ou realizar concursos públicos.
A equipe econômica passou as últimas semanas discutindo uma série de possibilidades de mudança nas regras de despesas obrigatórias, algumas das quais já despertaram as resistências da ala política do próprio governo.
Nesta quarta, o ministro Luiz Marinho (Trabalho) ameaçou pedir demissão caso alguma decisão sobre temas da pasta, como abono salarial e seguro-desemprego, seja tomada sem sua participação. Ele disse que não está a par de qualquer discussão sobre mudança de regra nessas políticas.
“Se não discutiu comigo, ela não existe. Se eu sou responsável pelo tema do trabalho do governo… A não ser que o governo me demita”, disse.
As mudanças nas regras do seguro-desemprego ou do abono salarial (espécie de 14º salário pago a trabalhadores que ganham até dois salários mínimos) são uma das apostas da equipe econômica para ajudar na desaceleração das despesas obrigatórias. Segundo técnicos do governo, todas as possibilidades seguem em análise.
Há ainda quem defenda uma mudança direta nos pisos de Saúde e Educação. Outra ala, porém, considera essa mudança mais difícil, já que ela tem pouco impacto no curto prazo e elevado custo político para sua aprovação.
No cardápio de medidas, também está em análise elevar de 30% para 60% a parcela dos recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) que é contabilizada no piso constitucional da Educação.
A chamada complementação ao Fundeb abastecido por uma combinação de recursos federais, estaduais e municipais é uma obrigação da União quando os demais entes não atingem determinados indicadores financeiros estabelecidos, que incluem um valor anual por aluno.
Elevar a fatia do repasse que é considerada no piso da Educação não reduz necessariamente as despesas da União, mas dá mais flexibilidade ao governo caso tenha que fazer cortes dos gastos discricionários. Em 2024, os 30% do Fundeb representam R$14,09 bilhões.
IDIANA TOMAZELLI E ADRIANA FERNANDES / Folhapress