The Cure volta às raízes góticas em novo álbum, ‘Songs of a Lost World’

FOLHAPRESS – Ninguém descreveu a solidão adolescente como Robert Smith. Por quase meio século, desde a fundação do The Cure, em 1976, ele vem criando um universo sônico e estético muito pessoal, que apela a corações solitários em todo o planeta. Enquanto o punk inglês cantava sobre as agruras do capitalismo e as injustiças sociais, Smith olhava para dentro e não para fora, escrevendo para aqueles que preferiam ficar trancados em seus quartos em dias chuvosos. Ele não é apenas um dos maiores nomes do som gótico. Ele é o gótico.

Acontece que Smith hoje tem 65 anos e não canta mais só para jovens. O público do The Cure cresceu com ele, tanto em idade quanto em números absolutos. Na virada dos anos 1980 para os 1990, algo inesperado aconteceu —o número de meninos e meninas trancados em quartos em dias chuvosos multiplicou-se, e o The Cure virou uma banda de estádio.

Quanto mais tristes as canções, mais os discos vendiam, e o álbum “Disintegration”, de 1989, é uma marca disso, um trabalho altamente influenciado por drogas psicodélicas e pela depressão que Smith sentia por estar perto de completar 30 anos de idade. “Eu achava que aquela era a última chance de eu criar uma obra realmente significativa”, dizia, sobre o disco, que é o mais vendido da banda. O álbum seguinte, “Wish”, de 1992, bem mais alegre e que trouxe o hit de rádio “Friday I’m in Love”, também vendeu muito.

Trinta e cinco anos depois de “Disintegration” chega “Songs of a Lost World”, o 14º álbum de estúdio do The Cure e o primeiro desde “4:13 Dream”, lançado em 2008. É um disco marcante para Smith, o primeiro totalmente composto por ele desde “The Head on the Door”, de 1985, e apenas o segundo na história da banda em que Smith não teve parceiros musicais. O novo LP marca a primeira gravação com o guitarrista Reeves Gabrels, que colaborou com Tin Machine e David Bowie, desde que entrou na banda em 2012, e a volta do tecladista Roger O’Donnel, que toca com Smith desde 1987 e retornou em 2011, após seis anos.

Às primeiras audições, “Songs of a Lost World” remete imediatamente aos lamentos densos, lentos e lúgubres de “Disintegration”. O nome diz tudo —”Canções de um Mundo Perdido”. As músicas têm títulos como “Sozinho”, “Nada é Para Sempre”, “Uma Coisa Frágil” e “Canção do Fim”. A capa, fotografada num preto e branco contrastado, mostra uma escultura chamada “Bagatelle”, feita em 1975 pelo artista esloveno Janez Pirnat, cujos trabalhos aparentam estar inacabados —segundo a imprensa eslovena, Smith admira tanto a obra do artista, que financiou a realização de eventos que o homenageiam, realizados em Liubliana, capital da Eslovênia.

“Songs of a Lost World” tem oito faixas que totalizam quase 50 minutos de música. A faixa que encerra o disco, “Endsong”, tem mais de 10 minutos. É um trabalho deliciosamente gótico, sem nada do pop feliz de faixas marcantes do grupo como “Friday I’m in Love”, “Lovecats”, “The Walk”, “Just Like Heaven” ou “Close to Me”.

A faixa que abre o disco, “Alone”, define a sonoridade e temas do trabalho —depois de uma introdução lenta e atmosférica de mais de três minutos (atenção, rádios, The Cure não se importa mais em fazer hits de FM!), Smith canta: “Esse é o fim de todas as canções que cantamos/ o fogo virou cinza/ e as estrelas perdem seu brilho com lágrimas/ com frio e medo”. Em quartos escuros por todo o mundo, choram os adolescentes —e sessentões!— de rímel e franjas sobre os olhos.

Em “A Fragile Thing”, Smith canta: “Toda vez que você me beija, eu choro/ Não me diga como você sente minha falta/ Eu poderia morrer hoje de um coração partido/ essa solidão me transformou/ e nos separamos”.

Uma das faixas mais “animadas” do disco é “Drone:Nodrone”, um pouco mais rápida e com um longo e épico solo de guitarra de Reeves Gabrels. Mas na faixa seguinte, a linda “I Can Never Say Goodbye”, o disco retoma uma cadência lenta, com a voz de Smith parecendo que vai se despedaçar num lamento: “O trovão emudece/ a lua de novembro com chuva negra e fria/ enquanto relâmpagos cortam o céu/ eu sussurro o nome dele”.

O disco acaba com uma das letras mais tristes já escritas por Smith: “Estou no escuro/ olhando para a lua cor de sangue/ lembrando as esperanças e sonhos que eu tinha/ e me perguntando o que aconteceu com aquele menino/ e ao mundo que ele chamava de seu/ estou do lado de fora no escuro pensando em como me tornei tão velho”.

Lembrando que Smith achava que sua carreira iria acabar ao completar 30 anos, faz sentido ele questionar a própria existência e relevância. Mas o artista não tem com o que se preocupar: “Songs of the Lost World” prova que ele e o The Cure não são apenas relevantes, mas uma das maiores bandas de rock dos últimos 45 anos. É um grande disco que ficará marcado na trajetória da banda.

SONGS OF A LOST WORLD

– Avaliação Ótimo

– Autoria The Cure

– Gravadora Polydor Limited

– Onde Nas plataformas de streaming

ANDRÉ BARCINSKI / Folhapress

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