LOS ANGELES, EUA (FOLHAPRESS) – “Ao saltarmos no desconhecido, provamos que somos livres” é uma das frases mais marcantes de “Megalópolis”, primeiro filme de Francis Ford Coppola em 13 anos. Ela também reflete a ambição do seu diretor, que perseguiu o projeto por décadas e, com o desinteresse dos grandes estúdios, tomou a decisão de investir mais de US$ 100 milhões do próprio bolso, colocando em risco o futuro de uma das suas grandes paixões (e rendimentos): seu império de vinhos.
Para bancar a superprodução com Adam Driver que estreou no Brasil nesta quinta-feira (31), ele buscou recursos na vinícola que leva seu nome. Localizada na linda região de Geyserville, à beira do vale de Alexander, uma das sub-regiões de vinhos mais famosas do condado de Sonoma, no norte da Califórnia, a Francis Ford Coppola Winery foi comprada pelo cineasta em 2005 e renovada três anos depois em um investimento que muitos consideraram uma insanidade.
Durante a crise financeira de 2008, peguei US$ 20 milhões emprestados para construir uma vinícola com piscinas e jogos como os Jardins de Tivoli, na Dinamarca, onde as crianças pudessem fazer algo enquanto seus pais passavam o dia tomando vinho”, disse Coppola no último Festival de Cannes, onde “Megalópolis” teve sua estreia mundial. “Esse risco econômico deu origem a uma vinícola que todo mundo hoje em dia tenta imitar.”
A ousadia se pagou. O lugar se transformou em um ponto turístico com a renovação comandada por Dean Tavoularis, diretor de arte de “O Poderoso Chefão”: um parque de diversões com piscinas, restaurantes, degustações de vinho e várias relíquias dos filmes do seu dono, como estatuetas do Oscar, a armadura usada por Gary Oldman em “Drácula” (1992), o veículo de “Tucker – Um Homem e Seu Sonho” (1988) e até a famosa mesa de Vito Corleone.
Com garrafas a preços acessíveis e levando nomes como Sofia, um espumante em homenagem à diretora e filha de Coppola, a vinícola virou referência comercial.
Em 2021, ele vendeu a Francis Ford Coppola Winery junto da menos conhecida Virginia Dare Winery e o vinhedo Archimedes ao grupo Delicato Family Wines por cerca de US$ 650 milhões em dinheiro e ações -o cineasta ainda ganhou um lugar no conselho da empresa, agora uma das maiores produtoras e exportadoras de vinhos dos EUA.
“Ao longo da minha vida, Coppola se tornou um nome conhecido em toda a América”, exaltou o diretor-vinicultor, em uma declaração oficial. “O que começou como um sonho de comprar uma casa de campo se transformou em um negócio com a produção de mais de um milhão de vinhos emblemáticos e premiados.”
A venda foi inesperada, mas logo explicada quando Coppola obteve uma linha de crédito inicial de US$ 200 milhões com o objetivo de finalmente realizar o sonho de filmar “Megalópolis”, um projeto que começou a rascunhar em 1977. “Fui ao banco e disse ‘quanto posso pegar emprestado?'”, resumiu o diretor ao The Wall Street Journal. Em troca, ele ofereceu parte das suas ações na empresa como garantia.
Mesmo com o risco de perder parte do seu império de vinhos, Coppola não economizou nos gastos da produção. Separou US$ 4 milhões para comprar um albergue de luxo para abrigar sua equipe e elenco durante as filmagens no estado da Georgia.
Após o término dos trabalhos no longa, o lugar virou um hotel onde os hóspedes têm acesso a salas de edição, dois cinemas e uma área isolada para atrair outros cineastas em busca de sossego na finalização dos seus projetos. Por causa disso, ele ganhou incentivos fiscais, mas o orçamento final do longa teria ultrapassado os US$ 120 milhões com os custos de distribuição e divulgação.
Como “Megalópolis” só rendeu US$ 12 milhões após um mês em cartaz nos EUA e outros países, o prejuízo é certo. Resta saber, apenas, o tamanho dos danos. Coppola, porém, não está preocupado. “Não tenho problema com riscos financeiros. Além disso, meus filhos têm carreiras maravilhosas sem fortunas. Eles não precisam disso”, afirmou Coppola. “Dinheiro não importa.”
O desprendimento material não chega a ser uma surpresa. Em 1981, Coppola estava no topo do mundo após entregar quatro sucessos de crítica e público em sequência: “O Poderoso Chefão” (1972), “A Conversação” (1974), “O Poderoso Chefão 2” (1974) e “Apocalypse Now” (1979).
No longa seguinte, ele recusou a oferta milionária da MGM para dirigir “O Fundo do Coração” e comprou os direitos para filmá-lo de forma independente com sua produtora, a Zoetrope Studios. O fracasso da obra nas bilheterias fez Coppola mergulhar em dívidas, pedir falência três vezes ao longo da década seguinte e aceitar dirigir projetos apenas pelo salário, inclusive a malfadada terceira parte do épico da família Corleone.
Além disso, a Francis Ford Coppola Winery é apenas uma parcela dos investimentos do cineasta na vinicultura. Sua joia da coroa, a vinícola Inglenook, não estava no acordo de venda e continua nas mãos da família Coppola. Situada em Rutherford, no coração do Vale do Napa, a região vinícola mais prestigiada (e cara) dos Estados Unidos, ela foi comprada em 1975 pelo diretor e sua mulher, Eleanor Coppola, que morreu em maio passado, após o cineasta receber seus lucros pelo sucesso dos dois primeiros “O Poderoso Chefão”.
A Inglenook foi fundada em 1879 por um comerciante finlandês e adquiriu fama na ascensão dos vinhos de Napa na primeira metade do século 20. Nas décadas seguintes, foi vendida para um grupo que mirou mais na quantidade e menos a qualidade. Entrou em decadência.
Foi quando Coppola comprou a linda propriedade de 1.700 hectares, com sua mansão imponente, vinhedos históricos e espelhos d’água para produzir vinhos sob o nome de Niebaum-Coppola, pois a marca Inglenook não fez parte do contrato de compra, só adquirida pelo cineasta em 2011 por um preço superior ao que ele pagou pela vinícola inteira, anos atrás.
Não há planos para o cineasta se desfazer do local. Há o valor sentimental e prático, já que Francis Ford Coppola vive a maior parte do tempo na mansão ao sopé da montanha Bald que abriga seu arquivo pessoal de filmes e perto da casa erguida para o resto da família.
Na sede da vinícola, há uma exposição permanente de lanternas mágicas, projetores e lembranças dos filmes do cineasta. A ideia de Coppola também é de se dedicar aos vinhos de prestígio, já que uma garrafa da safra mais recente do histórico Rubicon, um blend de cabernet sauvignon, cabernet franc e Merlot que é o carro-chefe da Inglenook desde 1978, custa cerca de US$ 260.
Recentemente, a Inglenook passou por renovações na sua cava que abriga os tanques de fermentação e na sala de degustação, chamada de The Athenaeum, redesenhada por Dean Tavoularis para simular um clube de jazz da década de 1920. A vinícola é aberta para visitantes das degustações de vinhos, que variam entre US$ 75 e US$ 150, mas as reservas precisam ser feitas com antecedência. Talvez um ingresso mais satisfatório que o de “Megalópolis”.
RODRIGO SALEM / Folhapress