Diretor rechaça estereótipos e difunde cinema da África em sua série documental

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – De repente, sem que ninguém saiba a razão, aparelhos de ar-condicionado começam a despencar do alto dos prédios de Luanda em “Ar Condicionado”, filme da Geração 80, produtora de jovens diretores angolanos que se arriscam em toques de realismo mágico à moda africana.

Em uma cidade do Mali, rebeldes islâmicos ameaçam a vida de uma família em “Timbuktu”, drama de feições mais clássicas do veterano e multipremiado Abderrahmane Sissako, nascido na Mauritânia.

Sissako, a Geração 80 e outros africanos à frente de criações cada vez mais originais, embora bem pouco conhecidas no Brasil, estão na primeira temporada da série “Encontros com o Cinema Africano”, que estreia neste sábado (2), na TV Brasil.

Como diz Joel Zito Araújo, idealizador e principal responsável pela produção, a série é um “projeto de vida”. “Os africanos escravizados que chegaram ao Brasil trouxeram grandes culturas, mas fomos educados para acreditar que só trouxeram a força bruta. Difundir o cinema africano é dar visibilidade a esta rica história civilizatória, que integra o jeito brasileiro de ser”, diz o diretor de longas como “As Filhas do Vento”, lançado há duas décadas.

Embalado pela carreira bem-sucedida do documentário “A Negação do Brasil”, de 2001, ele passou a viajar com frequência para os países do continente e foi convidado a integrar a Federação Pan-Africana de Cineastas.

Como curador do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, função que exerceu de 2013 a 2018, levou ao Rio de Janeiro diretores como Andrew Dosunmu, da Nigéria, um contato que aguçou ainda mais seu interesse pelo tema.

A partir de 2018, Joel Zito começou a viajar para as entrevistas de “Encontros com o Cinema Africano”. Aproveitava as brechas entre um trabalho e outro e não parou desde então.

O primeiro dos cinco episódios tem como fio condutor uma entrevista com Abderrahmane Sissako, um dos mais admirados nomes do cinema africano da atualidade.

O diretor de “Bamako”, com Danny Glover, lembra pioneiros da produção de filmes no continente, como o senegalês Ousmane Sembène, e comenta os estereótipos associados à vida e à cultura africana. “Construímos uma imagem de continente de guerra e de miséria. A África é muitas outras coisas, mas foi reduzida a isso.”

Além de “Timbuktu”, o mais famoso dos seus filmes, a série exibe passagens de “A Vida sobre a Terra”, de 1998, e “Heremakono: À Espera da Felicidade”, de 2002.

O segundo episódio aborda a carreira de um casal de cineastas, o etíope radicado nos Estados Unidos Haile Gerima e a americana Shirikiana Aina. Integrantes do L.A. Rebellion, movimento de diretores negros que durou de 1967 a 1989, eles lançaram filmes de tom contundente, como “Sankofa”, de Gerima, e “Through the Door of No Return”, de Aina.

Os três episódios seguintes encontram a África lusófona. Ao enfocar Moçambique, a série lembra Maputo como capital do cinema na África entre as décadas de 1970 e 1990, quando Samora Machel liderava o país. “Machel via o cinema como um fator de reconstrução do país. Foi ele quem levou para Moçambique diretores como Ruy Guerra, Godard e Jean Rouch”, diz Joel Zito.

“Não tenho a pretensão de esgotar o tema em episódios com cerca de 28 minutos cada um. Por isso, chamo de ‘encontros’. É uma ideia de primeiro contato”, diz o diretor.

O cinema angolano aparece no quarto episódio. Joel Zito ressalta inicialmente os filmes de caráter realista de Zezé Gamboa, conhecido pela comédia “O Grande Kilapy”, com Lázaro Ramos.

Retrata em seguida o trabalho da Geração 80, que concilia denúncias políticas e sociais, e intervenções nonsenses. “Esse coletivo é uma espécie de Conspiração Filmes de Luanda”, conta o diretor, em referência à produtora carioca, de onde saem filmes de ficção, documentários, trabalhos de publicidade e clipes.

O último episódio é dedicado a Cabo Verde, país de diretores experientes, como Leão Lopes, e jovens em ascensão, como Samira Vera-Cruz.

Joel Zito busca viabilizar uma segunda temporada para falar de países como Nigéria, África do Sul e Senegal. E ainda Burkina Fasso, que sedia o Fespaco, o maior festival de cinema da África. Tão grande que a abertura acontece em um estádio com capacidade para 30 mil pessoas em Ouagadougou, a capital do país.

NAIEF HADDAD / Folhapress

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