SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Matthew Buchanan e Karl von Randow eram amantes de cinema frustrados quando criaram, em 2011, o Letterboxd, uma rede social dedicada à sétima arte. A dupla da Nova Zelândia queria um espaço na internet para discutir os filmes que assistiam. Na época, a melhor opção era o IMDb, um site de catalogação da indústria.
Eles não imaginavam que seu desejo fosse ganhar o mundo. Com 13 milhões de usuários, o Letterboxd é hoje um dos principais lugares para ler e escrever sobre cinema e tem ganhado usuários ilustres, como Felipe Neto e Martin Scorsese, bem como Sean Bake, vencedor do prêmio máximo do Festival de Cannes, a Palma de Ouro.
A rotina na plataforma é intensa, com usuários postando e comentando filmes, quase sempre com uma avaliação de uma a cinco estrelas. Em várias ocasiões, a discussão sobre cinema parece nascer das interações do site. Os títulos do banco de dados já foram marcados como vistos pelo público mais de 1,83 bilhão de vezes.
A empresa neozelandesa, enquanto isso, continua com pouco mais de 20 funcionários. Para Buchanan, o crescimento do negócio é apenas uma questão numérica o público segue o mesmo dos primeiros dias de operação. “Uma comunidade maior significa uma seleção maior de filmes assistidos, mas ela não está tão distante de onde começamos”, diz. “Os primeiros usuários eram cinéfilos e, conforme crescemos, era natural a comunidade ganhar diversidade.”
Buchanan usa como exemplo a retrospectiva de fim de ano da rede, que sempre publica os dez lançamentos melhor avaliados pela comunidade. Em 2012, o primeiro “Vingadores” figurou na lista ao lado de filmes de arte como “Amour” e “Moonrise Kingdom”. Na última edição, o ranking foi liderado pela animação “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso” e o hit dos festivais “Pobres Criaturas”.
O empresário também diz que a pandemia ajudou o Letterboxd a furar a bolha cinéfila e encontrar novos mercados. Com o isolamento, a plataforma foi um lugar oportuno para manter a discussão sobre filmes acesa, o que ajudou a manter vivo o circuito de festivais, que na época viviam na crise.
Quem entrou na plataforma nessa época foi Marco Dutra. Diretor de “As Boas Maneiras”, ele diz que já conhecia o Letterboxd, mas foi se interessar pela rede no Festival de Berlim, há quatro anos. O cineasta divulgava “Todos os Mortos” e descobriu por um amigo que o público comentava o seu trabalho por lá.
Segundo Dutra, a plataforma o ajudou a acompanhar as reações ao filme mesmo depois de a exibição ser prejudicada pela pandemia. O cineasta seguiu um caminho parecido ao de vários realizadores. O site ganhou uma avalanche de famosos, com diretores do porte de Christopher McQuarrie, dos últimos “Missão: Impossível”, e artistas como Ayo Edebiri, de “O Urso”.
Mas o contato próximo com o público nem sempre funciona. Em entrevistas, Edebiri já expressou preocupação e arrependimento sobre a forma como os seguidores reagem a suas publicações.
Dutra vê o Letterboxd como um bom espaço para ler sobre cinema o que inclui os seus trabalhos. “A rede é um jeito de você ver que o seu filme está circulando”, afirma. “A minha diversão maior é ver o que as pessoas estão assistindo e comentando, e nisso descubro títulos que nem sabia da existência.”
Quem também vê valor na comunidade é Rafa Sales Ross, crítica de cinema e jornalista brasileira que cobre as maiores mostras do circuito. Para ela, o Letterboxd é forte porque encoraja a descoberta, o que ela diz impactar o andamento de festivais como Cannes e Veneza.
“Adoro quando ouço de um amigo ou conhecido que assistiu a um filme que passou despercebido no evento porque escrevi algo na minha conta. Eu mesma assisti alguns dos meus favoritos com essa tática.”
Para Sean Gilman, crítico de cinema americano com mais de 11 mil seguidores no Letterboxd, a simplicidade da rede é um diferencial. Ele destaca o design do site, o mesmo desde a fundação, e a facilidade para escrever e comentar as publicações dos outros.
O crítico também acha útil as modalidades pagas por R$ 49 ao ano, o usuário remove propagandas e ganha retrospectivas customizadas. Gilman afirma ainda que o Letterboxd ajuda o público a entrar em contato com filmes do passado. Autor do site The Chinese Cinema, sobre produções do leste asiático, ele diz que muitos dos seus seguidores descobriram clássicos da região por seus hábitos na plataforma.
A pequena equipe do Letterboxd sabe do potencial dessas conexões e, para isso, investe em uma frente editorial. O sucesso com a indústria fez a equipe perceber que poderia aproximar o público de seus artistas favoritos. O resultado é que os perfis do Instagram e do X, o antigo Twitter, viraram uma máquina de marketing da plataforma. Mesmo quem não conhece o site entra em contato com ele por publicações virais.
A ação mais conhecida é a dos quatro filmes, em que os famosos contam quais são suas produções preferidas. O número coincide com a seção de favoritos dos usuários, que podem selecionar até quatro títulos para encabeçar o perfil.
“A gente queria um aplicativo útil para organizar as coleções, mas agora colecionamos recomendações de pessoas como Ryan Gosling e Emily Blunt”, diz Buchanan.
Além das celebridades, esses vídeos também são gravados com o público em eventos ao redor do mundo. Graças a Felipe Fonseca, colaborador da empresa, o Brasil faz parte desse circuito, com registros na CCXP e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Segundo Fonseca, que ofereceu o serviço ao site, o Letterboxd sabe que tem uma parcela significativa de usuários brasileiros. Ele diz ver um crescimento da rede no país, apesar de não revelar números. “Antes eu apresentava o site para as pessoas, agora elas já chegam sabendo.”
A presença brasileira motivou Gracie Pinto, diretora e curadora da Filmicca, a abrir um perfil oficial do streaming na rede social. A empresa é uma de várias que mantém uma página oficial no site, que o Letterboxd apelida de “HQ”, um perfil empresarial que o negócio paga uma anuidade para obter.
“Isso funciona como um encontro do serviço com o público do Letterboxd. Estar lá ajuda a Filmicca a ser descoberta por mais pessoas”, diz a executiva.
Grandes nomes do mercado apostam financeiramente na rede, como a Netflix e a Paramount Pictures e serviços independentes como a Mubi e a Neon. O circuito de festivais e premiações também, do Oscar à Mostra de São Paulo.
Os laços mais fortes do Letterboxd com a indústria deixam em aberto a questão da monetização de criadores de conteúdo para o público. Buchanan diz que o site não encampa a aposta, mas permite que usuários vinculem suas contas a sites de arrecadação como o Patreon.
Alguns membros da comunidade discordam dessa posição, como Matt Lynch. Funcionário da locadora americana Scarecrow Video, ele tem 56 mil seguidores na rede e vê um erro na falta de monetização ainda mais quando isso é adotado por plataformas como o YouTube e o X. “O Letterboxd tem uma base de usuários grande, a maioria paga para estar lá e provavelmente 98% do conteúdo é gerado pelo público”, diz.
PEDRO STRAZZA / Folhapress