LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Dados da Associação Psicológica Americana mostram que 69% dos eleitores dos Estados Unidos estão altamente estressados com a escolha do próximo presidente na terça (5). Em 2016, esse número era 52%.
“Estudos mostram que nos últimos anos a política vem se tornando cada vez mais emocional, e isso está alterando a convivência democrática”, diz o cientista político húngaro Zsolt Boda. “A eleição americana é um exemplo desse fenômeno, que precisa ser estudado em profundidade.”
Boda é o coordenador do projeto “Mores como as emoções influenciam a política”. O estudo, patrocinado pelo braço de pesquisa e inovação da União Europeia, reúne nove instituições acadêmicas do continente. “Vivemos uma era populista, como diz o cientista político holandês Cas Mudde. Num tempo assim, os políticos se tornam empreendedores de emoções”, afirma Boda.
Segundo o estudioso, algumas evidências mostram que políticos populistas, como Donald Trump, são os que mais apelam a sentimentos negativos como a raiva e o medo. Mas o “empreendedorismo de emoções” não é monopólio deles.
“É claro que a raiva contra as elites políticas é há muito tempo marca do discurso de Trump. Por seu lado, Kamala Harris usa o tempo todo o medo do que Trump pode fazer se ele ganhar”, diz Boda. “Consciente ou inconscientemente, os candidatos costumam apelar para as emoções.”
Na última semana de campanha isso ficou evidente a partir de deslizes dos dois partidos. Num comício de Trump, um humorista fez afirmações ofensivas contra os americanos nascidos em Porto Rico, dizendo que a ilha de onde nasceram era um “lixo” e Kamala usou o episódio para mobilizar as comunidades de latinos. O presidente democrata Joe Biden revidou dizendo que “lixo” eram os eleitores de Trump. O candidato republicano se valeu do episódio para eletrizar sua base e compareceu a um compromisso de campanha com uniforme de lixeiro.
Sentimentos negativos, como raiva e medo, estão expulsando do discurso político as emoções positivas, como esperança e orgulho? “Não necessariamente. Em geral, políticos na oposição apelam mais a emoções negativas, e os da situação às positivas”, diz Boda. “Mas trata-se de algo complexo. Estudos mostram que eleitores de Trump e Harris, numa porcentagem quase idêntica, consideram que seus candidatos lhe devolveram o orgulho patriótico.”
O nome do projeto de pesquisa coordenado por Boda, “Mores”, significa, em inglês, os costumes de um grupo social ou comunidade, mas é também um acrônimo para “emoções morais”. As emoções morais vão além de sentimentos que os indivíduos demonstram nas interações do dia a dia. “Se estou zangado com você, isso não é uma emoção moral. Mas se estou zangado com o governo da Hungria porque ele tomou decisões erradas sobre política educacional, comprometendo o futuro dos jovens do país, isso é uma emoção moral”, afirma Boda.
A partir dessas emoções surgem as identidades políticas. “Eu sou verde porque acredito que o desenvolvimento sustentável é bom para a sociedade, ou sou conservador porque acho que devemos salvaguardar os valores tradicionais como a família e a igreja”, diz Boda. “São dois exemplos de como emoções morais criam identidades políticas.”
Para ele, parte da ciência política tradicional se baseia na crença de que os eleitores tomam decisões racionais, baseadas em fatos. Tal crença vem sendo abalada na era das emoções morais e identidades políticas, que altera significativamente as campanhas eleitorais. Os partidos políticos perdem terreno e, no lugar deles, ganham importância os líderes carismáticos, que personificam essas identidades.
O apelo emocional não é de todo ruim na política. “Se a política se torna muito tecnocrática ou racional, os cidadãos perdem o interesse. Surge o fenômeno da desconexão da política, as pessoas se tornam cínicas”, diz Boda. “O problema é a emoção em excesso. Quando a política se torna uma questão moral, fica difícil o debate e a adoção de soluções de compromisso.”
Como resolver isso? “Um dos objetivos da nossa pesquisa é fazer uma série de recomendações. Um ponto de partida é tornar os eleitores conscientes de que os políticos são empreendedores de emoções, para que eles não sejam manipulados. Isso talvez possa ser conseguido através de aulas de educação cívica”, afirma Boda. “A imprensa de qualidade também tem um papel. Numa era tão emocional, haverá cada vez mais demanda por uma voz clara e racional.”
JOÃO GABRIEL DE LIMA / Folhapress