SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar virou para queda no início da tarde desta quarta-feira (6) e reverteu a disparada de mais cedo, com as expectativas dos investidores sobre o pacote de corte de gastos do governo federal anulando os efeitos da vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos.
A moeda, que chegou a atingir a máxima de R$ 5,861 logo após o início das negociações, apresentava recuo de 0,52% por volta das 13h, cotada a R$ 5,715 na venda.
Já a Bolsa caía 61%, aos 129.852 pontos, também desacelerando as perdas em relação à parte da manhã.
A volatilidade já era esperada por grande parte do mercado. O republicano foi declarado eleito por volta das 7h30 desta manhã, quando alcançou a marca de 276 dos 538 votos do Colégio Eleitoral. Ele precisava ter ao menos 270 votos para vencer a disputa com Kamala Harris.
“Houve uma primeira reação extrema, quando a demanda por dólares explodiu, e, depois, os investidores foram olhando para os fatores externos e domésticos com mais calma”, explica Matheus Massote, especialista em câmbio da One Investimentos.
Ele explica que o real já estava “muito desvalorizado” por conta das expectativas dos investidores em relação às contas públicas do Brasil, bem como pelas projeções de que Trump sairia vitorioso da eleição. E, como parte dos efeitos já estavam precificados no câmbio, a moeda brasileira se descolou do exterior.
Para efeito de comparação, o índice DXY, que mede a força da moeda americana em relação a uma cesta de outras seis divisas fortes, disparava 1,60% neste início de tarde.
“Grande parte do movimento já havia sido antecipado, e, olhando para o futuro, com um alívio no cenário fiscal do Brasil e com juros ainda subindo, a moeda brasileira pode voltar a ganhar espaço após a turbulência de curto prazo”, afirma Eduardo Moutinho, analista de mercado do Ebury Bank.
Pesou, ainda, a declaração do ministro Fernando Haddad (Fazenda) de mais cedo. Segundo o chefe da ala econômica, a rodada de reuniões com autoridades do governo que poderão ser afetadas pelas medidas fiscais foi concluída.
O próximo passo, agora, é uma conversa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com os presidentes das duas Casas do Congresso Arthur Lira, da Câmara dos Deputados, e Rodrigo Pacheco, do Senado para discutir o envio do pacote para análise dos parlamentares.
“Os ministros todos estão muito conscientes da tarefa que temos pela frente de reforço do arcabouço fiscal, da previsibilidade e da sustentabilidade das finanças no médio e longo prazo. Penso que há um consenso em torno do princípio”, afirmou.
A previsão de encaminhar ao Congresso Nacional ainda em 2024 um pacote de revisão de gastos estruturais foi anunciada pela ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) em 15 de outubro. Na ocasião, afirmou que as medidas seriam enviadas após as eleições municipais, que terminaram no domingo passado (27).
A contenção de gastos atende, também, à insatisfação do mercado em relação à estabilidade das contas públicas. Para os investidores, é preciso ajustar a ponta das despesas, e não só reforçar a arrecadação, para garantir a longevidade do arcabouço fiscal.
Parte do mercado espera que o pacote seja anunciado nesta quarta-feira. Uma ala do governo, porém, defende adiar a divulgação para a próxima semana. O argumento é que as medidas têm potencial para causar um impacto positivo no mercado financeiro, que acabaria diluído no meio da reação ao resultado das eleições presidenciais americanas.
“Estamos, no fundo, vendo um andamento do pacote que deve ser anunciado até o final de semana, o que reduz o risco fiscal, e, por consequência, atenua o dólar. Mas o principal gatilho no mundo para o câmbio hoje vem das eleições dos Estados Unidos”, diz o economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung.
Os investidores precificam o impacto das propostas de Trump na economia, e analistas alertam para consequências “profundas e imediatas” para o resto do mundo.
Caso cumpra suas promessas de campanha, ele fará um novo mandato com aumento mais intenso das tarifas sobre importados, corte de impostos, deportações em massa e redução da independência do Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano).
No comércio exterior, a promessa é aumentar tarifas entre 10% e 20% sobre praticamente todas as importações dos EUA, incluindo as que vêm de países aliados, e em pelo menos 60% sobre as da China.
As tarifas inibem o comércio global, reduzem o crescimento dos exportadores e pesam sobre as finanças públicas de todas as partes envolvidas. É provável que elas aumentem a inflação nos Estados Unidos, forçando o Fed a agir com juros altos por mais tempo o que fortalece o dólar.
“As promessas fiscais de Trump são seriamente preocupantes para a economia dos EUA e para os mercados financeiros globais pois prometem expandir enormemente um déficit já excessivo, ao mesmo tempo em que ele ameaça minar instituições importantes”, disse Erik Nielsen, consultor econômico chefe do Grupo UniCredit.
“É preciso concluir que Trump representa uma ameaça séria, e até agora muito subestimada, ao mercado do Tesouro dos EUA e, portanto, à estabilidade financeira global”, disse Nielsen.
Para os mercados emergentes que dependem de financiamento em dólares, as promessas de Trump também poderão tornar empurrar as taxas de juros para cima e encarecer os empréstimos um golpe duplo, considerando as perdas de exportações.
A reação foi imediata globalmente. As Bolsas de valores na Ásia subiram, o dólar se valorizou em relação às principais moedas, o bitcoin bateu recorde histórico e os rendimentos dos títulos de dois anos do Tesouro dos EUA cresceram após ser definida a vitória Trump nas eleições.
Na China, os dois principais índices acionários terminaram a sessão em queda mesmo sem a declaração oficial.
O CSI300, que reúne as maiores companhias listadas em Xangai e Shenzhen, caiu 0,5%, e o índice SSEC, de Xangai, oscilou 0,09% para baixo. Em Hong Kong, a Bolsa despencou 2,23%.
O dia ainda guarda a decisão de juros do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC (Banco Central), após o fechamento dos mercados.
O colegiado decidiu reiniciar o ciclo de apertos na taxa Selic na reunião passada, quando optou por uma alta de 0,25 ponto percentual e levou os juros a 10,75% ao ano.
Com a piora no cenário econômico nos últimos 45 dias, o mercado espera que o comitê acelere o ritmo de altas para 0,5 ponto percentual.
O aumento do diferencial de juros entre o Brasil e os Estados Unidos também tende a favorecer o real, por causa de investimentos do tipo “carry trade” isto é, quando operadores tomam empréstimos a taxas baixas e aplicam recursos em países de taxas elevadas.
TAMARA NASSIF / Folhapress