SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No dia seguinte ao show de Madonna nas areias de Copacabana, em 5 de maio, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), escreveu em seu X, o antigo Twitter: “Se preparem! Daqui para frente, maio vai ser o mês de celebrar a mais incrível de todas as cidades! Vai ter sempre alguém para bater o recorde de público anterior. O Rio é desejado pelo mundo”.
Reeleito em primeiro turno, com 60% dos votos, o prefeito promete cumprir a promessa. “Estou decidindo aqui… Beyoncé… U2… Lady Gaga… Adele… Dá aí a sua opinião!”, escreveu aos seus seguidores no mês passado, na mesma rede social.
Nada demais até aqui com a possível exceção de que Adele acaba de anunciar uma pausa na carreira por tempo indeterminado. O problema, dizem alguns, é não ser transparente com os gastos da prefeitura e divulgar números não condizentes com a realidade. Essa é a reclamação do deputado estadual paulista Leo Siqueira, do Novo, que foi ao X devassar dados oficiais e questionar a administração carioca, assim como fez o principal adversário de Paes nas eleições.
“O argumento deles é que a prefeitura gastou R$ 10 milhões no show, mas a arrecadação de impostos aumentaria em R$ 10,2 milhões. Mas esse aumento era uma estimativa e não aconteceu”, diz Siqueira, formado em economia pela Fundação Getúlio Vargas. “Se a sociedade fizer a escolha de que vale gastar dinheiro com o show de artista internacional, tudo bem. Mas, como economista e político, minha função é checar os dados divulgados.”
O evento todo, patrocinado pelo Itaú, teve um custo que gira em torno de R$ 50 milhões. Só o cachê de Madonna foi de R$ 17 milhões. Segundo uma planilha da produtora do evento obtida pela reportagem, houve ainda R$ 20 milhões de transporte de carga, quase R$ 5 milhões em hotel e mais cerca de R$ 5 milhões no palco e equipamentos.
A Prefeitura do Rio de Janeiro disse à reportagem que desconfiava o questionamento partir de um deputado do Novo que nem sequer é do Rio, mas de São Paulo. Na prática, ele não pode, por exemplo, abrir um procedimento na Assembleia Legislativa do estado.
A isso, Siqueira responde que “matemática não tem geografia” e que, se os vereadores do Rio não questionam, é papel de qualquer político o fazer. Ele ainda cita que a prefeitura também havia divulgado outros números, igualmente estimados e de difícil comprovação, como a movimentação de dinheiro na economia do Rio e a exposição da cidade na imprensa internacional.
OS GASTOS E AS CONTAS
A prefeitura investiu R$ 10 milhões no show, mesmo valor que o governo do estado. Antes do show, porém, a gestão Paes divulgou um documento no qual dizia que iria recolher em Impostos sobre Serviço (ISS) justamente os R$ 10 milhões que estava investindo, ou seja, o custo seria nulo.
O documento, intitulado “Potenciais Impactos Econômicos do Show da Madonna no Rio”, assinado pela Secretaria Municipal do Desenvolvimento Urbano e Econômico do Rio de Janeiro, traz “contas de padaria”, para usar a expressão de Siqueira.
O documento explicava que o Rio arrecadou, em maio de 2023, R$ 50,8 milhões em ISS de atividades relacionadas ao show, como turismo, setor aeroportuário e eventos. “Com esse grande evento, estima-se um aumento da arrecadação de 20% em maio de 2024, levando para o valor de R$ 60,9 milhões, com um aumento de R$ 10,2 milhões em comparação com o mesmo mês do ano anterior”, dizia o texto.
É curioso que o aumento estimado cobriria exatamente o valor que a prefeitura desembolsou pelo show. A reportagem questionou a prefeitura do Rio de Janeiro para saber por que haveria um aumento de 20%, e não de 10% ou de 30%, por exemplo. Como se chegou a essa estimativa? O órgão não respondeu.
No mês passado, Siqueira foi escarafunchar as planilhas oficiais de ISS divulgadas pela prefeitura carioca. Ele descobriu que, tirando a inflação, o aumento do ISS no mês de maio, entre 2023 e 2024, de R$ 100 mil. A reportagem chegou aos mesmos números ao refazer as contas.
A reportagem também questionou Paes sobre as contas. Por meio de sua assessoria de imprensa, a prefeitura afirmou que os dados divulgados originalmente eram corretos, sem, no entanto, oferecer mais explicações sobre os números.
Os dados financeiros não foram os únicos a serem questionados no show de Madonna. Após a Riotur, órgão de turismo da prefeitura, ter estimado o número de espectadores em 1,6 milhão que a Riotur, o Datafolha fez suas próprias contas e afirmou que o público não poderia ter passado de 875 mil pessoas.
Dias depois, Paes ironizou a história, não esclareceu os cálculos e escreveu no X: “Ai ai ai! Esses jornais de São Paulo não sabem fazer conta mesmo!”
IVAN FINOTTI / Folhapress