BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A CGU (Controladoria-Geral da União) investiga 20 ONGs que receberam R$ 515 milhões em emendas parlamentares de políticos de partidos da base do governo, do centrão e da direita de 2020 a 2024.
O objetivo do órgão é analisar a aplicação desses recursos, a capacidade técnica dessas instituições e a transparência das contratações.
A relação foi elaborada após uma determinação do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), para um pente-fino em todos os tipos de emendas, como as de relator, de comissões e as chamadas Pix modalidade de emenda individual que envia repasses para prefeituras.
A lista, obtida pela reportagem, deve ser entregue ainda nesta semana ao ministro.
Há repasses de emendas durante os governos Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT) e, entre os autores das emendas, até políticos do ex-partido de Dino em sua carreira política, o PC do B. Essa relação de ONGs não determina alguma ilegalidade, mas sim que a aplicação dos recursos será analisada pela Controladoria.
As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade do Congresso é atender seus redutos eleitorais, e não as localidades de maior demanda no país.
A lista de ONGs preparada pela Controladoria foi um dos temas da conversa entre o ministro da CGU, Vinícius Marques, e o presidente Lula no Palácio do Planalto na manhã desta terça (5), por causa do grande número de partidos envolvidos nas transferências.
O recorte utilizado pela Controladoria foi o das instituições que mais receberam esses recursos no período. A legislação veda o repasse direto de recursos de emendas Pix a organizações não governamentais.
Das selecionadas pela CGU, dez ONGs receberam R$ 497,4 milhões em repasses em emendas, de 2020 a 2024, e as outras dez receberam a destinação de R$ 27,7 milhões apenas por emendas Pix, com R$ 18,2 milhões já pagos.
De acordo com nota da Controladoria, a seleção de ONGs a ser investigada seguiu critérios técnicos rigorosos, com foco na transparência e no interesse público. O órgão informou que, por se tratar de um trabalho em andamento, não comentaria detalhes de auditorias em curso.
Uma das organizações relacionadas, a Associação Moriá é exemplo do suprapartidarismo na distribuição desses recursos.
A organização, cuja sede é em uma sala de um prédio comercial na área central de Brasília, recebeu R$ 20,3 milhões em emendas de políticos dos mais variados partidos, como o senador Izalci Lucas (PL-DF), a deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania-DF) e a ex-deputada federal Perpétua Almeida (PC do B-AC).
Izalci Lucas divulgou nas redes sociais que “destinou sozinho R$ 7,5 milhões em emendas parlamentares para o projeto” de jogos educacionais digitais. O senador não respondeu aos contatos da reportagem.
Perpétua disse que enviou R$ 3,1 milhões para a ONG realizar jogos educacionais digitais, com salas específicas para aulas, cursos e jogos no Acre, e que o programa está em execução.
Já Paula Belmonte destinou R$ 500 mil em emenda individual, quando era deputada federal, para a realização de um evento de jogos estudantis digitais em Brasília.
A assessoria da deputada disse que a parlamentar destinou a verba para apoio e fomento a um projeto de integração de ações socioeducacionais inclusivas por meio do esporte digital, direcionadas a adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade.
“Destaco que o projeto está diretamente relacionado com os propósitos da principal bandeira da deputada, que é a defesa de crianças e e jovens, incentivando investimentos do poder público desde a primeira infância”, justificou, acrescentando ainda que o Ministério do Esporte aprovou o projeto.
A Associação Moriá disse, por meio de assessoria de imprensa, que os termos de fomento foram firmados por meio do Ministério do Esporte no sistema de transparência TranfereGov , “portal em que qualquer cidadão pode acompanhar a prestação de contas”.
Também disse que, no processo de formalização, o ministério verifica o plano de trabalho e a planilha orçamentária para autorização das ações propostas, “sem jamais ter identificado qualquer irregularidade”.
“A associação adota um modelo de compliance e transparência, dispondo todas as informações online para a sociedade. Os projetos sociais da Moriá já beneficiaram mais de 9 mil jovens de instituições públicas ou em situação de vulnerabilidade social para incentivo ao esporte e formação profissional”, respondeu.
Entre as ONGs que receberam recursos via emendas Pix listadas pela CGU estão o Instituto de Gestão em Desenvolvimento Social e Urbano e a Liga dos Blocos de Micareta e Carnaval (Liblomica), ambas no município de Santana, no Amapá, que teve Sebastião Bala (PP) reeleito como prefeito. Cada uma teve cerca de R$ 3 milhões empenhados.
A Prefeitura de Santana respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que todas as entidades que assinaram contratos com o município foram selecionadas por chamada pública, amplamente divulgada nos veículos adequados.
Também disse que, “em geral, os parlamentares apresentaram as emendas de transferência especial sem determinar os objetos e sem indicar entidades destinatárias”.
“Os recursos são aplicados de acordo com o planejamento elaborado pelas secretarias e aprovados pelo Comitê Gestor, composto pelos secretários de planejamento, governo, fazenda, procuradoria e controladoria”, afirmou.
Dino havia prorrogado até o próximo dia 11 a entrega pela CGU da apresentação de uma auditoria de todos os repasses de emendas parlamentares para ONGs e demais entidades do terceiro setor neste período, mas a Controladoria decidiu antecipar em alguns dias essa entrega.
O ministro tem afirmado que pretende discutir com os demais ministros da corte, em 2025, se o montante das emendas parlamentares é compatível com a separação dos Poderes.
Segundo Dino, o debate é motivado pelo aumento do valor das emendas durante o governo Bolsonaro um salto de R$ 13,8 bilhões empenhados em 2019 para R$ 37,5 bilhões em 2020, em valores nominais (sem correção da inflação). Neste ano, elas somam quase R$ 52 bilhões.
CONSTANÇA REZENDE / Folhapress