ROTERDÃ, HOLANDA (FOLHAPRESS) – Um conjunto de células cerebrais chamadas de astrócitos pode ser responsável pelo complexo processo de aprendizagem e armazenamento de memória no cérebro humano. A descoberta, publicada em um artigo nesta quarta-feira (6) na Nature, traz novas evidências sobre o tema, que já era objeto de estudo por pesquisadores.
A ciência ainda não conseguiu explicar exatamente como o cérebro processa aprendizado e memória. Uma das possibilidades, a nível celular, envolve os engramas, que ocorre quando diferentes neurônios formam um conjunto, explica Ukbong Kwon, um dos autores da nova pesquisa e pós-doutorando associado ao laboratório onde o estudo ocorreu, no Baylor College of Medicine, nos Estados Unidos.
“Cada memória consiste em diferentes conjuntos de neurônios distribuídos em várias regiões do cérebro, formando um engrama. Um único neurônio pode participar de vários engramas, enquanto cada engrama consiste em um conjunto único de neurônios”, completa.
Kwon explica que pesquisas realizadas em camundongos já identificaram que é possível rotular os engramas em relação às memórias que eles armazenam. Em casos assim, a ativação desses conjuntos de neurônios levaram a recuperação dessas determinadas memórias.
A nova pesquisa utilizou uma lógica parecida, mas baseada nos astrócitos, células cerebrais que provêm suporte aos neurônios e colaboram com funções neuronais. Evidências já existiam que essas células poderiam exercer atividades em situações de aprendizagem e memória. Um estudo prévio, por exemplo, identificou que astrócitos danificados tendem a reduzir a capacidade humana de acessar memórias de curto prazo.
Um dos fatores que explica por que os astrócitos impactam o aprendizado e memória é o fato de essas células serem relacionadas diretamente aos neurônios, mesmo no quesito de proximidade física. Outro aspecto diz respeito à plasticidade dos astrócitos, ou seja, a capacidade de adaptarem suas funções em relação a diferentes estímulos ambientais e sensoriais.
“Vários estudos do nosso laboratório sugerem que experiências diferentes podem levar a respostas moleculares e funcionais distintas em astrócitos, cada uma potencialmente governada por mecanismos únicos”, afirma Kwon.
Para investigar o tema, os pesquisadores selecionaram um tipo específico de astrócitos, chamado astrócitos associados ao aprendizado. A pesquisa envolveu testes em camundongos colocados em situações de extremo medo. Os animais foram condicionados a responder a tais circunstâncias com uma paralisia.
Minutos depois, os camundongos foram submetidos à mesma circunstância e os cientistas analisaram a reação dos bichos: eles paralisaram de forma natural, sem terem sido estimulados novamente a apresentar essa reação. Por meio disso, os pesquisadores observaram que os camundongos haviam aprendido e memorizado que aquela situação era relacionada à paralisia.
A correlação entre o desenvolvimento dessa memória e os astrócitos ficou evidente quando, sem ser na situação de extremo medo, os cientistas ativaram a ação dessas células. Quando isso foi feito, os camundongos novamente paralisaram, indicando que a ativação dos astrócitos estimulou essa memória dos animais e, consequentemente, a reação esperada com essa recordação.
Segundo Kwon, diferentes subconjuntos de conjuntos neuronais são ativados e/ou reativados durante o aprendizado e processos de recuperação de memória. A conclusão da pesquisa leva o cientista e seus colegas a acreditar que dinâmicas parecidas ocorrem com os astrócitos.
Mesmo assim, o autor reitera que diferentes experiências podem levar a reações distintas por parte dos astrócitos. Os próximos passos no laboratório do qual Kwon faz parte é identificar mais detalhes relacionados a essa variabilidade das células. “Acreditamos que vários mecanismos provavelmente fundamentam nossas descobertas atuais, e estamos investigando ativamente várias dessas vias.”
SAMUEL FERNANDES / Folhapress