SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Derrotado na eleição para a Prefeitura de São Paulo, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) afirmou, nesta quinta-feira (7), que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pode botar a “viola no saco porque não será presidente da República em 2026”.
Ele também disse que a vitória de Donald Trump nos EUA “animou uma turma do lado de lá a dizer que o inelegível tem que se tornar elegível”, em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Eles vão ter que passar por cima da gente, porque não vai ser”, completou.
O deputado realizou, na quadra do Sindicato dos Bancários, no centro, seu primeiro evento público após ter perdido para o prefeito Ricardo Nunes (MDB), que foi reeleito por 59,35% a 40,65%.
Apesar de ter contado com o apoio do presidente Lula (PT) e ter multiplicado por oito sua verba de campanha, Boulos repetiu seu resultado de 2020, quando perdeu de Bruno Covas (PSDB) por 40,62%, contra 59,38%.
Em seu discurso, Boulos disse que enfrentou uma máquina poderosa e “um projeto que quer usar a cidade de São Paulo como trampolim para uma tentativa de retorno da extrema direita em 2026”.
Ele afirmou ter sido vítima de mentiras e fake news, como o laudo falso de Pablo Marçal (PRTB) e a fala de Tarcísio de que o PCC orientou voto no então candidato PSOL. “E a Justiça Eleitoral sem fazer nada”, emendou.
Boulos defendeu ainda a cassação de Tarcísio e Nunes pelo que considerou crime eleitoral -sua campanha entrou com ação nesse sentido.
Em seu discurso, o deputado criticou indiretamente Bolsonaro ao dizer que houve quem perdesse a eleição sem reconhecer isso e querendo dar golpe. Questionado pela reportagem se chegou a ligar para Nunes para reconhecer a derrota, como é a praxe, disse que não o fez, mas que nunca deixou de reconhecer que perdeu nas urnas.
“Não liguei porque enfrentei uma das campanhas mais baixas que se viu na história da democracia brasileira”, respondeu.
Segundo Boulos afirmou aos jornalistas, o governo Lula “está sofrendo um cerco” e a esquerda precisa se unir para enfrentar essa situação.
“De um lado, um cerco especulativo da Faria Lima, que quer pressionar o governo a qualquer custo para fazer cortes sociais em cima dos trabalhadores. [Do outro lado], o governo Lula sofre um cerco do centrão no Congresso, da direita e da extrema direita na sociedade.”
O ato de nome “O Futuro É Nosso” teve o objetivo de “organizar o enfrentamento ao bolsonarismo”, segundo a assessoria do deputado. Em seu discurso, Boulos fez um balanço da campanha e apontou direções para 2026. Atrás dele, uma faixa dizia que “a esperança é revolução; o desânimo é conservador”.
Ele reconheceu erros da sua campanha e disse que é preciso reorganizar a esquerda, que “sofreu uma derrota nacionalmente”, para travar uma disputa cultural e de valores permanente, e não só no período eleitoral, com a extrema direita, “que cresceu”. Para o deputado, somente Lula pode vencer a extrema direita em 2026.
“Quando vemos gente que usa o SUS, que tem filho na educação pública e que vota no candidato que defende Estado mínimo e privatizar tudo, em algum ponto a gente errou. Quando vemos aquele trabalhador mais empobrecido, que depende dos programas sociais, e que não votou na gente por medo do comunismo, é porque em algum ponto a gente errou.”
Ao falar com a imprensa após discursar, Boulos afirmou que a esquerda não pode abandonar a defesa de direitos, como das mulheres e o combate ao racismo. “Outra coisa é transformar isso no centro da disputa política, que é o que a extrema direita faz. Nessa cilada a gente não pode cair”, emendou.
Em entrevista à coluna Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, após a derrota, Boulos afirmou que a esquerda se travestir de centro seria “um suicídio histórico”.
Ao longo da campanha, no entanto, Boulos suavizou suas posições de esquerda e chegou a voltar atrás na defesa da legalização das drogas e a reconhecer que a Venezuela tem um “regime ditatorial”. Questionado se isso não seria exatamente se travestir de centro, negou e disse defender que a esquerda dialogue e faça composições com o centro.
“Aliás, defendo que Lula faça a frente mais ampla que for preciso para se reeleger em 2026. Outra coisa é a esquerda se tornar centro. Isso a minha campanha não fez de jeito nenhum”, disse.
“Fiz uma campanha defendendo o movimento sem-teto, defendendo a reestatização do serviço funerário, intervenção nas empresas de ônibus, combatendo privatizações, [defendendo] moradia popular em prédio abandonado. Não sei que centro político do mundo defende isso, não fizemos uma campanha de centro. Nós buscamos dialogar com o campo de centro.”
Compareceram ao evento a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), o deputado federal Rui Falcão (PT-SP), o deputado federal Orlando Silva (PC do B – SP), o ex-deputado José Genoino (PT), o presidente municipal do PT, Laércio Ribeiro, o marqueteiro da campanha, Lula Guimarães, além de deputados e vereadores do PT e do PSOL.
Erika Hilton agradeceu a Boulos por ter se colocado em uma campanha que ela classificou como violenta, cruel e injusta. Ela defendeu que a esquerda retome o “encantamento das pessoas”, especialmente da classe trabalhadora, que na opinião dela “não tem conseguido enxergar quem são os verdadeiros vilões”.
Rui Falcão defendeu que a união da esquerda permaneça mesmo depois da eleição. Segundo ele, é preciso se reconectar com a classe trabalhadora e “quebrar o egoísmo social e o individualismo”. O ex-presidente do PT também fez críticas ao governo.
“A Faria Lima quer obrigar Lula a cumprir o programa deles que nós derrotamos nas urnas. Eles querem nos sufocar, colocando a corda no nosso pescoço para tirar direitos das classes trabalhadoras. O governo só não é poder, o governo tem poder quando está lastreado na classe trabalhadora, na população, quando tem hegemonia de ideias e não só distribuição de emendas”, afirmou.
“O sistema que temos que combater é o sistema capitalista, que devasta a natureza e produz concentração de renda brutal, que ajuda a explicar porque Trump ganha eleição mesmo condenado”, disse o petista.
Bolsonaro afirmou à Folha de S.Paulo que eleição de Trump à Casa Branca é um “passo importantíssimo” para seu “sonho” de voltar ao Planalto, apesar de estar inelegível até 2030. Na eleição de São Paulo, ele apoiou Nunes, o que deu espaço para Boulos ligar o rival à extrema direita, mas o ex-presidente ficou longe de participar efetivamente da campanha do prefeito.
CAROLINA LINHARES / Folhapress