Negros têm menor oferta de medicamentos para dor nos EUA, diz pesquisa

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pacientes negros dos Estados Unidos têm mais dificuldade no acesso a medicamentos para dor em processos cirúrgicos e menos probabilidade de conseguir resgate por helicóptero em acidentes graves, segundo estudos. Os levantamentos foram apresentados em outubro na Reunião Anual de Anestesiologia, que aconteceu no Texas, nos EUA.

Na primeira pesquisa, pacientes negros apresentaram 29% menos probabilidade de receber a medicação multimodal se comparado a brancos. Além disso, enquanto quase todos os enfermos observados receberam pelo menos uma dose de um opioide via intravenosa, negros tinham 74% mais chances de receber os medicamentos orais.

A analgesia multimodal utiliza vários tipos de remédios para reduzir a dor e demonstra uma maior eficácia, e menos efeitos colaterais, no tratamento da dor do que um único medicamento sozinho, como os opióides, segundo Niloufar Masoudi, anestesiologista e assistente de pesquisa na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, e um dos principais autores do estudo.

“Embora eficaz, o uso exclusivo de opioides para tratar a dor pode apresentar efeitos colaterais mais fortes e um potencial risco de dependência”, afirma Masoudi.

Para o estudo, foram comparados os tratamentos de dor recebido por 2.460 pacientes brancos e 482 pacientes negros na unidade de terapia intensiva nas primeiras 24 horas após cirurgias complexas de alto risco que ocorreram entre 2016 e 2021 no Hospital Johns Hopkins.

Foi definido como analgesia multimodal o recebimento de um opioide com mais, pelo menos, uma outra forma de medicação para dor, como analgésico local (epidural ou adesivo colocado na pele), anti-inflamatório não-esteroide, cetamina intravenosa ou gabapentina oral.

O número ideal de combinações de medicamentos para analgesia multimodal ainda é desconhecido, mas usar quatro tipos diferentes de medicamentos para dor em vez de dois ou três pode ajudar melhor no controle da dor. No entanto, mais pesquisas são necessárias.

Vários fatores podem ter contribuído para a disparidade, segundo Masoudi, incluindo diferenças na dor relatada, preferências do paciente e preconceito por parte do profissional a favor ou contra formas de controle da dor para pessoas negras.

Dentro da própria comunidade médica, estudos têm mostrado equívocos de que pacientes negros têm maior tolerância à dor ou maior resiliência física em comparação com pacientes brancos e pesquisas indicam que esses preconceitos podem levar a diferenças na qualidade e urgência do atendimento prestado a pacientes de minorias.

“Mais pesquisas precisam ser feitas para entender a causa específica das diferenças na analgesia multimodal entre pacientes negros e brancos para que recomendações possam ser desenvolvidas. Além disso, pesquisas devem ser conduzidas em outros grupos étnicos para avaliar se eles são impactados por disparidades semelhantes”, diz Masoudi.

O pesquisador afirma que existem doenças que podem ter prevalência variável em diferentes populações raciais (por exemplo, a anemia falciforme é conhecida por ser mais prevalente em populações da África Ocidental). Para abordar essas diferenças, no entanto, os médicos são ensinados a procurar condições específicas mais em locais com maior prevalência, para garantir que não levem a disparidades nos cuidados de saúde.

“Um bom começo [para corrigir disparidades] é que os profissionais entendam os benefícios da analgesia multimodal, estejam cientes de que as disparidades ocorrem e desenvolvam protocolos padronizados que incentivem o uso quando for medicamente apropriado para garantir tratamento equitativo para todos os pacientes”, completa Masoudi.

O segundo estudo, conduzido pelo médico residente em anestesiologia no Centro Médico Montefiore, em Nova York, Christian Mpody, apontou que além de negros, asiáticos e hispânicos gravemente feridos também têm menos probabilidade de receber serviços críticos de resgate, como o aéreo.

Com dados do Banco Nacional de Dados Sobre Traumas dos EUA que possui mais de 7,5 milhões de registros de mais de 900 centros de trauma do país, o estudo avaliou o transporte hospitalar de 307.589 adultos e 42.812 crianças que tiveram ferimentos graves com risco de vida e precisaram de cirurgia urgente ou internação em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) entre 2017 e 2022.

Adultos brancos tinham duas vezes mais probabilidade de serem transportados por helicóptero em comparação aos adultos negros, ou seja, 25,4% dos brancos tiveram acesso ao transporte ante a 12,6% dos negros. A pesquisa mostrou ainda que 13,5% dos adultos asiáticos conseguiram acessar esse resgate e 15,9% dos adultos hispânicos.

Entre os mais jovens, 33,6% das crianças brancas tiveram acesso ao resgate por helicóptero enquanto o percentual de crianças negras foi de 20%. O percentual de asiáticos e hispânicos da mesma faixa etária foi de, respectivamente 22,4% e 24%.

Lesões traumáticas como acidentes com veículos, quedas e ataques violentos estão entre as principais causas de morte de crianças e adultos nos EUA.

Segundo o autor do estudo, é importante que em casos de lesões graves, os pacientes sejam atendidos dentro de uma hora. O transporte por helicóptero foi associado a uma pequena taxa de sobrevivência de 1,8 ponto percentual maior se comparado ao transporte por ambulância convencional.

Segundo Mpody, que conduziu o estudo, “é improvável que os pacientes negros incluídos em nosso estudo tenham sido menos propensos a receber transporte por helicóptero porque o recusaram”.

Mais dados precisam ser coletados para que disparidades no atendimento em casos de traumas sejam corrigidas. “Ao fazer isso, podemos identificar lacunas de serviço e desenvolver soluções direcionadas”, afirma o pesquisador.

ANDREZA DE OLIVEIRA / Folhapress

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