SÃO PAULO, SP, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O Projeto de Lei de Cotas no Serviço Público, em tramitação na Câmara, é um dos principais avanços para a gestão de pessoas do setor e precisa ser mantido sem mais alterações, segundo Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, dedicado à valorização de servidores públicos.
Para ela, a proposta traz melhorias ao ampliar a reserva de vagas de 20% para 30% e prever mecanismos que ajudam a combater editais de concurso com apenas uma ou duas vagas, que reduzem a eficácia da política.
Mas o avanço em diversidade é moroso, com o setor público ainda engatinhando em outros temas importantes para garantir a inclusão. De acordo com Jessika, muitas políticas são incipientes, como a de combate ao assédio sexual no ambiente de trabalho e a de ampliação da presença de pessoas negras, sobretudo mulheres, em posições de chefia.
‘[Vamos] trazer a diversidade para esses cargos de liderança se a gente tiver um ambiente de trabalho saudável, onde as mulheres possam exercer sua atuação profissional e onde as pessoas negras não encontrem racismo. Precisamos de um serviço público exemplo de atuação no combate a esses problemas da sociedade.”
A diretora relembra que a diversidade no setor também é defendida pelos brasileiros: para 89%, ações para promover a representação racial no funcionalismo são importantes, segundo pesquisa Datafolha divulgada no fim do ano passado.
Pessoas negras propõem até três vezes mais leis e políticas públicas dedicadas à inclusão na comparação com os não negros, segundo estudo do Neri (Núcleo de Estudos Raciais do Insper), a pedido da Fundação Lemann.
“O governo tem que dar essa resposta para o país e aprovar a política de reserva de vagas. [A lei de cotas] não é só uma resposta a todo o processo de luta contra o racismo, mas também é a garantia de que a gente tenha diversidade no serviço público para responder à população com melhores serviços e políticas públicas”, diz.
Além disso, mulheres líderes no setor público têm até 35% menos chances de se envolver em casos de corrupção, segundo o estudo do Neri. Elas investem até 7% mais do que os homens em serviços como saúde e educação e podem reduzir em até 24% a mortalidade infantil.
De acordo com Jessika, o assédio é um dos principais fatores que barram a ascensão e permanência feminina em cargos de liderança, mas a atuação de órgãos públicos contra essa prática ainda é insuficiente.
Apenas sete estados têm leis específicas de proteção contra assédio sexual a servidores, segundo levantamento do Instituto República.org, voltado à gestão de pessoas no setor público.
O Movimento Pessoas à Frente tem trabalhado em diretrizes e recomendações sobre como tratar o assédio no setor público, segundo a diretora da entidade. O objetivo principal é dialogar com o governo por uma lei nacional de combate a essa prática.
Para ela, outro ponto de melhoria é a regulamentação de contratos temporários. O número de profissionais atuando sem carteira assinada no setor aumentou 58% nos últimos 12 anos, de acordo com levantamento feito a partir de dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Segundo Jessika, isso ocorre sobretudo na saúde e na educação.
A diretora do Movimento diz que, por não ter uma regulamentação nacional, o regime precariza o profissional temporário. Em alguns lugares, a contratação sem vínculo permanente leva a menos direitos trabalhistas, como licença-maternidade.
Por isso, o Movimento quer propor ao governo uma minuta para regulamentar essa modalidade nacionalmente. O decreto que muda regras para terceirizados, assinado em setembro deste ano, já foi um passo para olhar além do estatutário.
“O governo deveria ser um exemplo de empregador para o resto da sociedade”, afirma Jessika. “Vejo o decreto com excelentes olhos e acho que a gente tem que seguir monitorando o resultado disso e a adesão a essas políticas.”
Neste ano, o grupo trabalhou com o governo federal para aprovar a lei de concursos públicos, que prevê novas formas de avaliação, como provas feitas de forma online. A expectativa, segundo a diretora, é que as mudanças já alcancem a próxima edição do CNU (Concurso Nacional Unificado), previsto para 2026.
Jessika afirma que a aprovação da nova lei é um dos resultados de articulações de entidades do terceiro setor, que estabelecem parcerias com pesquisadores e membros do governo para produzir estudos e, com isso, apoiar políticas públicas.
“Nossa atuação pode partir tanto de um projeto que ainda não existe quanto de um aperfeiçoamento de uma iniciativa que já existe, mas tem potencial para entregar maior valor público.”
Além da articulação para aprovar a nova lei dos concursos, o Movimento também trabalha com governos em outras pautas relacionadas ao setor e ao servidor públicos. A entidade elabora propostas, pesquisas e dialoga com membros da gestão pública e da sociedade civil sobre como melhorar a atenção do Estado à população.
“Quanto mais contribuição em cima das possibilidades de solução para os problemas que são enfrentados na sociedade, quanto mais a gente une academia, sociedade civil e pessoas de dentro e de fora de governo, mais chance nós temos de dar as melhores respostas para os problemas sociais que o país enfrenta.”
Na segunda-feira (11), a Folha e o Movimento Pessoas à Frente promovem o seminário “O Setor Público em Transformação”, com dois painéis, o primeiro sobre democracia e diversidade no serviço público e outro a respeito do futuro da gestão pública.
RAIO-X | JESSIKA MOREIRA, 38
Diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, é especialista em Políticas Públicas para Cidades Inteligentes pela USP (Universidade de São Paulo). Em 2019, idealizou e cofundou o Íris, Laboratório de Inovação e Dados do Governo do Ceará, reconhecido com a Medalha do Prêmio Espírito Público em 2020.
JAIRO MARQUES E LUANY GALDEANO / Folhapress