SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar apresenta forte alta sexta-feira (8), com investidores repercutindo dados de inflação mais fortes do que o esperado e a indefinição quanto ao pacote de corte de gastos do governo federal.
Na cena internacional, anúncio de estímulos decepcionantes na China penalizam mercados emergentes.
Às 13h08, a moeda norte-americana disparava 1,84%, cotada a R$ 5,780 na venda. Já a Bolsa despencava 1,81%, aos 127.333 pontos.
A inflação oficial do Brasil, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), acelerou a 0,56% em outubro, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A alta veio após variação de 0,44% em setembro.
A expectativa era de avanço de 0,54% de acordo com a mediana das projeções de analistas consultados pela agência Bloomberg. O intervalo das estimativas ia de 0,48%% a 0,65%.
Com o novo resultado, a inflação alcançou 4,76% no acumulado de 12 meses, apontou o IBGE. Nesse recorte, a alta era de 4,42% até setembro e de 4,82% há um ano. O mercado financeiro esperava 4,74%.
O IPCA é referência para a meta de inflação perseguida pelo BC (Banco Central), cujo centro é de 3% em 2024. A tolerância é de 1,5 ponto percentual para menos ou para mais.
Isso significa que o objetivo será cumprido se o IPCA ficar no intervalo de 1,5% (piso) a 4,5% (teto) nos 12 meses até dezembro.
“Diante desse cenário de inflação corrente pressionada, acredito que o Copom (Comitê de Política Monetária) certamente continuará subindo os juros. A dúvida é o ritmo de subida e vejo que cresce até mesmo as projeções de aumentar 0,75 ponto percentual”, diz Marcelo Bolzan, estrategista de investimentos e sócio da The Hill Capital.
Na quarta-feira, o comitê brasileiro optou por aumentar a taxa básica de juros do país, a Selic, em 0,50 ponto percentual, a 11,25% ao ano. O movimento veio em linha com o esperado pelo mercado.
Para analistas consultados pela Folha, a decisão é reflexo de incertezas em relação à inflação, à política fiscal e ao cenário externo, que, no futuro, podem levar a um ciclo de altas ainda mais forte caso não sejam propriamente endereçados no curto e no médio prazo.
No dado desta sexta, o IPCA foi influenciado pelo aumento nos preços da energia elétrica residencial, mas os riscos fiscais seguem como fator de desancoragem de expectativas para a inflação.
O mercado aguarda o pacote de corte de gastos do governo, prometido em meados de outubro. As medidas de contenção de despesas visam dar mais sustentabilidade e longevidade ao arcabouço fiscal e atendem a temores de investidores quanto ao desequilíbrio das contas públicas do país.
A expectativa é que as propostas sejam apresentadas na próxima semana. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá uma nova rodada de reuniões nesta tarde com ministros de governo. Segundo auxiliares, há ações que ainda precisam ser explicadas, e o pacote só será anunciado quando Lula bater o martelo.
Além disso, Haddad considera essencial que o pacote seja apresentado antes à cúpula do Senado e da Câmara.
Como mostrou a Folha, uma ala do governo defende que as medidas se tornem públicas num momento de menor turbulência externa nos mercados, cenário observado nesta semana diante da eleição dos Estados Unidos e da decisão do Banco Central sobre a taxa de juros.
Os adiamentos vão aumentando a expectativa em torno do pacote. Segundo pessoas a par das discussões, o abono salarial (espécie de 13º salário pago a trabalhadores com carteira que ganham até dois salários mínimos) deve ser alvo de um redesenho e há mais de um formato em análise.
O diagnóstico é de que o benefício, que custará R$ 30,7 bilhões em 2025, pode ser mais concentrado nos mais pobres. Já a desvinculação de benefícios sociais, como o abono e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), em relação ao salário mínimo, defendida por economistas e pelo mercado pelo impacto potente que produziria nas contas, está descartado e não é alvo das discussões recentes, segundo as mesmas pessoas.
Alterar os pisos de saúde e educação ainda é uma opção na mesa, mas, segundo um dos interlocutores, é um “candidato fraco” a figurar no cardápio final das mudanças.
Analistas estimam que o corte teria de ser em torno de R$ 30 bilhões a R$ 50 bilhões para surtir o efeito desejado, tanto no âmbito fiscal, quanto nos ânimos do mercado.
A leitura de investidores é de que, com a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, o mundo entrará em um período de dólar e juros mais altos, restando ao Brasil fazer o “dever de casa” nas contas públicas para reduzir a pressão.
Caso cumpra suas promessas de campanha, o republicano fará um novo mandato visto como protecionista. No comércio exterior, a promessa é aumentar tarifas entre 10% e 20% sobre praticamente todas as importações dos EUA, incluindo as que vêm de países aliados, e em pelo menos 60% sobre as da China.
As tarifas inibem o comércio global, reduzem o crescimento dos exportadores e pesam sobre as finanças públicas de todas as partes envolvidas. É provável que elas aumentem a inflação nos Estados Unidos, forçando o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) a agir com juros altos por mais tempo o que fortalece o dólar.
Na quinta, a autoridade norte-americana cortou a taxa de juros em 0,25 ponto percentual, levando-a à faixa de 4,5% e 4,75% ao ano. A decisão veio em linha com as expectativas do mercado e marca uma desaceleração do ritmo de afrouxamento monetário: no encontro passado, o Fed optou por uma redução de 0,50 ponto, após quatro anos sem cortar a taxa.
“A atividade econômica continuou a se expandir em um ritmo sólido”, disse o comitê, acrescentando que o mercado de trabalho “se flexibilizou” e que a inflação continua se aproximando da meta de 2%.
O presidente do Fed, Jerome Powell, disse que, por enquanto, o retorno de Trump à Casa Branca não terá efeito sobre as decisões de política monetária da autarquia no curto prazo.
“Não adivinhamos, não especulamos e não presumimos” quais serão as futuras escolhas políticas do governo, disse ele, em entrevista coletiva.
Na China, a vitória de Trump tem pressionado as autoridades por mais estímulos econômicos, visando amortecer os impactos de uma guerra comercial com os americanos.
Nesta sexta, a Comissão Permanente do Congresso Nacional do Povo aprovou um programa de refinanciamento das dívidas dos governos locais de 10 trilhões de yuans (R$ 8 trilhões), acima do que vinha sendo projetado até a eleição nos Estados Unidos, mas não o bastante para o mercado financeiro.
“Isso vai decepcionar o mercado porque a China precisa essencialmente de mais”, disse Carlos Casanova, economista sênior do UBP para a Ásia.
Casanova disse que a China precisa de um pacote de 23 trilhões de iuanes (R$ 18,5 trilhões) para resolver a dívida local e os problemas imobiliários, o que representa cerca de 15% de sua economia, e provavelmente “vai conter parte desse poder de fogo até ter uma ideia melhor do que o presidente Trump está planejando”.
A decepção derrubava preços de commodities relevantes para os mercados emergentes. O barril do petróleo Brent caía quase 3% na Bolsa de Londres, enquanto o minério de ferro fechou com perdas de 1,65% em Dalian.
TAMARA NASSIF / Folhapress