WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A vitória de Donald Trump pode ter impacto expressivo no Judiciário, pois abre um cenário no qual conservadores veem a chance de assegurar o predomínio na Suprema Corte por décadas.
Instância máxima da Justiça americana, o tribunal passou por uma guinada à direita nos últimos anos, após o republicano fazer três nomeações em seu primeiro mandato (2017-2021). Com seu retorno à Casa Branca, ao menos mais duas potenciais indicações estão em jogo.
Estão em debate as cadeiras dos juízes conservadores Samuel Alito, 76, e Clarence Thomas, 74. Os dois são os mais velhos dos nove membros da Suprema Corte, e um mandato republicano é uma oportunidade para anunciarem aposentadoria, confiando que seus substitutos serão também nomes à direita.
As substituições não mudam o placar atual, de 6 a 3 para os conservadores. No entanto, ao colocar nomes mais jovens no lugar dos septuagenários, garantem dois juízes da mesma linha por décadas à frente. Nos EUA, os mandatos dos magistrados são vitalícios.
Além disso, o fato de os republicanos terem retomado o Senado responsável por confirmar as nomeações feitas pelo presidente é mais um argumento usado a favor da saída de Alito e Thomas. Como a maioria na Casa está garantida pelos próximos dois anos, até a eleição de meio de mandato em 2026, cresce a pressão para que os anúncios ocorram no início do mandato de Trump.
“Previsão: o juiz Sam Alito está alegremente empacotando seu gabinete”, postou no X o assessor jurídico do presidente eleito, Mike Davis, após a vitória eleitoral.
Nenhum dos dois deu indicação de que planeja se aposentar em breve, como é praxe. Mas a estratégia já foi adotada antes, durante o governo Barack Obama, quando dois juízes liberais aproveitaram a maioria democrata no Senado para deixar a corte.
Liberais, por sua vez, temem que uma terceira vaga possa abrir durante os próximos quatro anos: a da juíza Sonia Sotomayor, 70, a mais velha da minoria progressista.
Desde o anúncio do resultado da eleição, alguns pedidos de alas mais à esquerda começaram a pipocar para que ela se aposente o quanto antes, dando tempo para Joe Biden nomear e aprovar seu substituto, aproveitando a maioria democrata no Senado até a posse dos novos membros.
Por trás da pressa está o trauma democrata com a substituição de Ruth Bader Ginsburg (1933-2020). Ícone liberal, a juíza não cedeu à pressão para se aposentar durante o governo Obama. Sua morte, no final do mandato de Trump, permitiu aos conservadores obterem uma supermaioria.
Em sua primeira passagem pela Casa Branca, o republicano nomeou Neil Gorsuch, 57; Brett Kavanaugh, 59; e Amy Coney Barrett, 52. Foi graças a essas indicações que a Suprema Corte revogou a garantia constitucional ao aborto em todo o país, acabou com programas de ação afirmativa em universidades, ampliou direitos de posse de armas e concedeu imunidade parcial a presidentes, após ser acionada por Trump.
Esta decisão, aliás, deve pôr em suspenso o processo no qual ele é acusado de envolvimento na invasão do Capitólio por seus apoiadores, em 6 de janeiro de 2021. As demais ações criminais contra ele que ainda estão em curso devem ser arquivadas.
Sotomayor tampouco deu sinais de que pretende deixar o cargo no curto prazo. E, mesmo que o fizesse, seria arriscado tanto pela rapidez necessária quanto pela maioria apertada que democratas têm no Senado.
A prioridade agora para eles é confirmar os juízes federais de instâncias inferiores pendentes, para evitar que as cadeiras sejam preenchidas por Trump.
Independentemente da abertura de novas vagas, o retorno de Trump deve suspender os esforços de reformar a corte, como a ampliação do número de juízes e um limite de tempo de mandato, como propôs Biden ainda quando era candidato à reeleição.
O republicano também deve revisar a posição do governo em alguns casos pendentes na Suprema Corte. O Departamento de Justiça atual, por exemplo, entrou com uma ação contra o Tennessee após o estado restringir tratamento para mudança de gênero entre menores de idade.
A sessão de argumentação oral perante a corte está prevista para dezembro, mas, dadas as posições já afirmadas por Trump contra pessoas trans ao longo da campanha, é provável que um governo do republicano abandone o processo. A saída do governo não anula a ação em si, porém, tampouco impede que a Suprema Corte decida sobre ela.
Outro caso potencialmente no limbo trata da regulação de peças de armas. Chamadas de “armas fantasmas”, são montadas com partes de outros equipamentos, sem registro, o que as torna praticamente impossível de serem rastreadas. O governo Biden argumentou que esse tipo de armamento deve ser regulado como uma arma comum. Uma audiência sobre o caso já ocorreu na Suprema Corte, mas Trump ainda pode tentar derrubá-lo se mudar a posição do governo.
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COMPOSIÇÃO DA SUPREMA CORTE ATUAL
Conservadores
John G. Roberts, 69
Indicado por George W. Bush, iniciou seu mandato em setembro de 2005
Clarence Thomas, 74
Indicado por George Bush (pai), iniciou seu mandato em outubro de 1991
Samuel A. Alito, Jr., 76
Indicado por George W. Bush, iniciou seu mandato em janeiro de 2006
Neil M. Gorsuch, 57
Indicado por Donald Trump, iniciou seu mandato em abril de 2017
Brett M. Kavanaugh, 59
Indicado por Donald Trump, iniciou seu mandato em outubro de 2018
Amy Coney Barrett, 52
Indicada por Donald Trump, iniciou seu mandato em outubro de 2020
Liberais
Sonia Sotomayor, 70
Indicada por Barack Obama, iniciou seu mandato em agosto de 2009
Elena Kagan, 64
Indicada por Barack Obama, iniciou seu mandato em agosto de 2010
Ketanji Brown Jackson, 54
Indicada por Joe Biden, iniciou seu mandato em junho de 2022
FERNANDA PERRIN / Folhapress