SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Se na faixa-título de “Caju” (2024), Liniker questiona o tamanho da própria demanda, em letra confessional que abre o disco mais recente, a popstar, na noite desta sexta-feira (8), colocou uma pá de cal na pergunta, diante de um Espaço Unimed inebriado e abarrotado.
A cantora de 29 anos fez a primeira das três noites agendadas na casa de shows mais movimentada na agenda da capital paulista ela canta no mesmo palco nos dias 13 e 19 deste mês. A turnê, anunciada poucas semanas após a estreia do álbum, angariou mais de 40 mil pessoas numa fila virtual em busca de entradas para ver o novo projeto ao vivo.
Com 15 minutos de atraso, caiu o tecido translúcido que levemente escondia o palco, e tampava o cenário branco grandioso, o megatelão de led e a banda. Liniker traz nesta apresentação naipes de percussão, cordas e um quarteto de backing vocals afiadíssimo, composto por Thais Ribeiro, Paulo Zuchini, Ingrid Valentinne e Lucas Samuel.
O show é dividido em quatro blocos, com quatro trocas de roupas. No primeiro, ela enfileira as já populares “Caju”, “Tudo”, “Ao Teu Lado” e “Veludo Marrom”. Esta última acompanhada de um coral de oito vozes e uma orquestra, regida pela popstar. Era impossível decifrar o que era sua voz e a do público, tamanho o coro. Liniker chorou.
“Essa música, esse disco e esse show eu fiz para entender tudo que eu queria. É muito bom experienciar isso hoje e me sentir dona de mim, dos meus contornos, dos meus afetos”, disse.
Lançado em agosto, “Caju” é o segundo álbum da carreira de Liniker. Com 14 faixas e uma sequência de três delas, com mais de sete minutos cada, desafiando a era do TikTok, o projeto versa sobre amores e afetos em uma narrativa que soa repetitiva, especialmente na primeira metade do disco.
O álbum, produzido sob a batuta de Feijuca e Gustavo Ruiz, é sonoramente difuso, indo do arrocha ao jazz, passando pela disco music e o R&B abrasileirado, com elementos de orquestra. Parcerias musicais inéditas, como com o tecladista Amaro Freitas e Lulu Santos, dão um peso e um toque chique ao projeto, mas é no discurso das composições que Liniker triunfa.
Ela ganha o público por compartilhar suas aflições amorosas e suas vulnerabilidades individuais que, mesmo que particulares de seu ser, se agigantam por um caminho como o de agora com um público de mais de 8 mil cantando a plenos pulmões, múltiplas datas esgotadas pelo Brasil e 30 milhões de reproduções nas plataformas de música.
O segundo bloco traz a cantora em sua faceta mais sexy, conduzida pelo pagodão baiano de “Negona dos Olhos Térriveis” e “Mayonga” até as dançantes “Papo de Adredom”, com Melly, e “Me Ajuda a Salvar os Domingos”.
O telão, durante o show, intercala vídeos inéditos para cada faixa, junto à vídeos ao vivo feitos por um videomaker que invade o palco e mostra detalhes, assim como fez Rosalía em sua bem sucedida “Motomami World Tour”.
“Estou feliz por chegar até aqui. Feliz por poder entender minha trajetória até aqui sendo fiel a música, a poesia, a vocês”, contou.
Emocionada, abriu o terceiro bloco no qual dedicou às faixas anteriores ao “Caju”, como “Calma” e “Zero”, de “Remonta” (2016) e “Goela Abaixo (2019), ainda como parte de banda, e “Antes de Tudo”, “Psiu”, do primeiro álbum como solista, e o sucesso estrondoso, “Baby95”, que ganhou arranjos inéditos ao vivo, de um fervente pagodão.
A caminhada de Liniker, que tem mais de 3 milhões de ouvintes mensais no Spotify, até aqui remonta ao tamanho que já tinha, quando veio ao mundo para dividir a Araraquara, do interior de São Paulo, com os mais de 240 mil habitantes (IBGE, 2022).
Antes de ser uma das músicas mais tocadas na Polônia com o grupo Caramelows (que deixou em 2020, para seguir carreira solo), foram com covers publicados no esquecido Facebook, por páginas dedicadas à música brasileira, que a cantora prendeu a atenção do público por seu timbre e extensão vocal.
Dali para frente, ela não parou: cinco anos de estrada em grupo, com sucessos cabais, como “Zero” e “Intimidade”; um hino para a população LGBTQIAP+ com Johnny Hooker, “Flutua”, lançado no Natal de 2017, pós Impeachment de Dilma Rousseff e com o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) pairando no ar; e o primeiro disco solo, o laureado “Índigo Borboleta Anil”, de 2021, que brilhou na estreia do festival catalão Primavera Sound, em São Paulo, em 2022, e cativou Lenny Kravitz, em sua passagem pela Europa.
Muito além de ganhar novos palcos e públicos com voz e talento, Liniker fez dos mais recentes anos de sua existência como ser humano e artista um ponto de referência, recheada de ineditismos. Tornou-se a primeira artista brasileira transgênero a vencer um Grammy Latino, em 2022, e é imortal da Academia Brasileira de Cultura, desde novembro de 2023, na cadeira que pertencia à Elza Soares (1930-2022).
O momento atual de sua carreira fez Liniker ser a nova “queridinha” do mercado publicitário. Além de grandes marcas injetando dinheiro na turnê, a artista tem emprestado seu rosto para gigantes do mundo da beleza, calçados e vestuário uma delas, inclusive, a levou para se apresentar para o heptacampeão Lewis Halminton, em evento do GP de Fórmula 1.
O bloco final, completando duas horas, transformou o show numa enorme pista de dança, com um globo de espelhos em formato de caju no centro. “Popstar”, “Febre”, “Pote de Ouro”, que contou com participação ao vivo da cantora Priscilla Senna, “Deixa Estar” e “So Special”, num jogo de luzes e lasers, finalizaram, antes da estreia de um remix da faixa-título em funk, feito por Tropkillaz.
Quando se chega no debut de “Caju”, com a cantora chorando, dançando e repassando sua trajetória, uma coisa é certa: no voo mais bonito que é viajar pelo Brasil e pelo mundo, o público estará sempre lá para chamar Liniker de potente, forte e querida. A diva das novas multidões.
JOVI MARQUES / Folhapress