SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A principal cardeal do Partido Democrata, a deputada e ex-presidente da Câmara dos Representantes Nancy Pelosi, disse em entrevista ao jornal The New York Times publicada neste sábado (9) que a campanha da vice-presidente Kamala Harris “fez um excelente trabalho” e insistiu que não houve uma rejeição generalizada do eleitor americano ao seu partido.
“Não aceito isso. Não sabemos qual será o resultado na Câmara [a apuração ainda não terminou], mas entenda isso: esse grande ataque, esse mapa vermelho [cor dos republicanos] dos EUA perdemos apenas dois assentos, talvez três. Foi uma grande recuperação”, disse a deputada, reeleita agora para seu 20º mandato na Casa, representando a Califórnia.
Essa é a primeira entrevista mais longa concedida à imprensa por Pelosi, figura central na articulação da desistência de Joe Biden, após a vitória do republicano Donald Trump por uma margem confortável no Colégio Eleitoral (até aqui, o ex-presidente venceu seis dos sete estados-pêndulo). Os dados mostram ainda que os democratas perderam apoio de parcelas da sociedade americana onde mais tinham força como o eleitorado negro e latino, por exemplo.
Na entrevista, entretanto, Pelosi discorda veementemente da tese de que a classe operária abandonou o Partido Democrata. A figura mais proeminente a fazer essa afirmação até aqui foi o senador esquerdista Bernie Sanders, reeleito para o Senado como independente.
Em nota divulgada na última quarta-feira (6), Bernie escreveu: “Um Partido Democrata que abandonou os trabalhadores não deveria ficar surpreso de ter sido agora abandonado por eles. Enquanto a liderança democrata defende o status quo, os americanos têm raiva e querem mudança. E eles estão certos”.
Questionada diretamente sobre a fala de Bernie, Pelosi disse ao New York Times discordar completamente do senador. “Fico desconfortável com quem diz agora que abandonamos a classe trabalhadora. Não, não abandonamos. Nós somos o partido dos trabalhadores, o partido chão de fábrica. Por isso estamos com uma eleição acirrada na Câmara em um ano no qual os republicanos foram tão bem sucedidos.”
Em resposta, a jornalista pergunta por que, então, tantos eleitores de baixa renda votaram em Donald Trump, ao que Pelosi diz haver questões culturais que também movimentam as pessoas. “Armas, Deus e gays, essas são as questões”, afirmou, em referência a algumas das principais pautas da direita americana: a defesa do armamento, a religião, representada na oposição ao aborto, e a hostilidade contra pessoas LGBTQIA+.
“Isso faz parte disso, mas não explica por completo. É difícil de entender por que alguém votaria em Trump, uma pessoa que sempre defendeu os ricos”, acrescentou.
Em outro momento, Pelosi disse não acreditar que qualquer análise das eleições deva falar de fraquezas de Kamala como candidata. “Ela deu esperança às pessoas, criou muita animação.” A deputada, como havia dito na última quinta (7), lamentou mais uma vez a saída tardia de Biden da corrida eleitoral.
“Pensávamos que haveria um processo de primárias [competição interna para decidir o candidato do partido à Casa Branca]. A expectativa era essa. E acho que Kamala iria bem e teria se fortalecido. Mas não sabemos disso. E, uma vez que o presidente apoiou Kamala imediatamente, tornou-se impossível realizar primárias.” Na época da desistência do presidente, a imprensa americana havia relatado que seu apoio instantâneo a Kamala desagradou cardeais do partido, como Barack Obama e a própria Pelosi.
A deputada também foi questionada sobre a insistência da campanha de Kamala em retratar Trump como um perigo para a democracia na esperança de que isso convencesse eleitores moderados a evitá-lo algo que não se concretizou.
Quando a jornalista pergunta se os americanos não se importaram com esse argumento, Pelosi respondeu: “Você vai ter que perguntar e eles. Mas o que eu escuto eles dizendo é: ‘a democracia americana é muito forte, ela pode suportar qualquer coisa’. Bem, espero que eles estejam certos”.
VICTOR LACOMBE / Folhapress