SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mais de um ano após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que determina a realização de audiências de custódia em formato presencial, 6 em cada 10 locais que realizam esses procedimentos têm como regra o modelo misto ou totalmente virtual. Em metade das unidades, agentes de segurança sempre estão presentes ou ouvem o que é dito pelo custodiado.
Os dados fazem parte do novo levantamento da APT (Associação para a Prevenção da Tortura), que será divulgado nesta terça-feira (12) na plataforma Observa Custódia. Em parceria com o Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), foram colhidas informações em todas as unidades da federação, num total de 174 comarcas.
Na audiência de custódia, estabelecida há quase dez anos no Brasil, o preso é ouvido por um juiz, que avalia a legalidade da prisão, determina sua manutenção ou não e investiga eventuais maus-tratos. Pela regra, devem ocorrer em até 24 horas após a prisão -o que é praticado em 60% das comarcas.
A maioria das unidades de audiência está nas sedes dos tribunais de Justiça dos estados, com 109 dos locais mapeados. Em 53 delas, o procedimento é feito em unidades prisionais, e em 11, numa sede policial civil. A defesa -advogado ou defensor público- pode optar por estar presente na sala de audiência em 58 comarcas, menos da metade (45%).
No modelo virtual, o preso se conecta à audiência da unidade prisional em 78 locais, que representam 60,5% do total. Em seguida estão as sedes de tribunais de Justiça, que chegam a 34.
Em 130 comarcas, o preso acompanha toda a audiência, da sua apresentação à decisão do juiz. Em 39, às vezes, e, em 4, nunca -caso das capitais Belo Horizonte e Aracaju. Ainda, em 94 dos locais nunca há atendimento do preso por uma equipe psicossocial, situação que é ocasional em 22 comarcas e que sempre ocorre em 24 delas. Em 16 unidades, o atendimento é feito após solicitação. Já em seis desses lugares, só ocorre quando o juiz determina uma medida cautelar que não seja a prisão.
Para o presidente do Condege e defensor público-geral de Roraima, Oleno Matos, a principal função da pesquisa é dar parâmetros para, antes mesmo de cobrar o atendimento dentro do que prevê a lei.
“Temos, por exemplo, defensorias e promotorias que pouco buscam saber como está funcionando a questão do exame de corpo de delito. É preciso avançar na busca por mecanismos de prevenção e combate à tortura.”
A detecção de maus-tratos ou tortura, um dos objetivos da audiência, pode ser realizada por meio dos exames periciais, que são feitos em 101 unidades de custódia antes do procedimento, segundo o levantamento. Em 39, isso não ocorre, e em 25 comarcas, às vezes. O problema da falta de exames têm proporções mais elevadas entre as comarcas de Sul e Sudeste, com 35,2% e 29,8% de locais sem falta, respectivamente.
A maioria dos locais (92) realiza os exames nas sedes do Instituto Médico Legal. Já o laudo dos exames é sempre disponibilizado às autoridades em apenas 33 comarcas.
Para a APT, há uma precarização das garantias proteções e do contato do preso com as autoridades judiciais, especialmente em meio remoto. “Distantes fisicamente das autoridades, observamos que detentos têm sido mais frequentemente apresentados usando algemas -e por vezes grilhões nos pés”, diz a organização.
Em 26 comarcas, sempre há o uso de contenção, como algemas. O uso “em regra” é praticado em outros 45 estabelecimentos.
Ainda segundo a organização, a ampla maioria de audiências ocorrendo em menos de 72 horas (99%) é um indicador de compromisso das autoridades com o dispositivo.
Para a APT, há uma tendência de migração do local para a realização da audiência, saindo de sedes judiciais rumo a ambientes policiais, e o uso de uniforme prisional, que ocorre em praticamente metade dos casos, viola a presunção de inocência, diz a organização.
Unidade da federação com a maior população de presos, São Paulo realiza as audiências, em regra, até 24 horas após a detenção. O acesso de familiares às audiências não é permitido. O atendimento médico do custodiado é feito antes ou depois da audiência. Não há atendimento psicossocial, e sempre são usados instrumentos de contenção nos presos.
Quando o juiz percebe indícios de tortura, costuma entrevistar o preso. Já o atendimento da defesa é feito nos corredores, e sempre há agentes de segurança na sala da audiência ou com a possibilidade de ouvir o que é dito pelos presos.
LUCAS LACERDA / Folhapress