BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma das vice-presidentes do Parlamento Europeu, a dinamarquesa Christel Schaldemose, 57, diz à Folha de S.Paulo que há apoio no Legislativo da UE para a aprovação do Acordo Comercial com o Mercosul.
A ida do tratado para discussão no Parlamento, no entanto, ainda depende das negociações técnicas hoje conduzidas pela Comissão Europeia, o Executivo da UE, e os países do Mercosul.
O tratado está em negociação há mais de 20 anos e teve sua conclusão anunciada em 2019, ainda no governo Jair Bolsonaro (PL). A agenda negacionista do clima do ex-presidente, porém, impediu que ele fosse enviado para análise do Parlamento Europeu, e as negociações acabaram sendo reabertas no governo Lula 3.
“No Parlamento, há uma maioria que apoia o acordo e realmente deseja que ele seja debatido. Mas no momento não cabe a nós finalizá-lo. Estamos olhando para o Conselho e a Comissão, e esperamos que eles o façam. Somos a favor do acordo com o Mercosul. Acho interessante que, nestes tempos em que os países estão se fechando cada vez mais em si mesmos, na União Europeia estamos interessados em não fazer isso”, afirmou Schaldemose, que visitou Brasília na semana passada para a reunião de presidentes dos Legislativos dos membros do G20.
Ela rejeita as críticas de setores brasileiros que acusam as exigências ambientais incluídas pela Europa como uma forma de protecionismo disfarçado.
“Eu não diria que é [uma crítica] justificada. Eu poderia dizer o oposto: uma das razões pelas quais há dificuldades na União Europeia para finalizar o acordo é que alguns estados acham que ele não está protegendo o setor agrícola europeu de forma suficiente”, avaliou.
“Na minha opinião, há medos de ambos os lados sobre uma competição desleal [no âmbito do tratado], mas acredito que o acordo é justamente o oposto. É uma tentativa de garantir que tenhamos um comércio justo entre nós.”
LEI ANTIDESMATAMENTO
Brasil e União Europeia também estão em lados opostos na chamada Lei Antidesmatamento do bloco. A norma proíbe que países europeus importem produtos provenientes de áreas que foram desmatadas após dezembro de 2020.
Ela entraria em vigor em 30 de dezembro deste ano, mas, após diversas críticas de países exportadores, entre eles o Brasil, a Comissão Europeia fez um pedido de adiamento da implementação.
As novas regras devem agora valer a partir de 30 de dezembro de 2025 para as grandes empresas; e a partir de 30 de junho de 2026 para as micro e pequenas.
Apesar do adiamento da implementação, Schaldemose não vê chances de o Parlamento Europeu realizar alterações na lei já aprovada.
“Eu não acredito que vamos reabrir a lei. Isso é muito, muito raro de acontecer. Mas uma coisa é ter adotado a lei e depois ver sua implementação. Há muitas coisas que podem ser feitas desse momento: desde que ela seja adotada até que entre em vigor e precise ser implementada”.
A eurodeputada avalia que ainda é cedo para prever qual será o impacto da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos para a Europa.
“A Europa realmente quer fazer comércio com o mundo. Se ele [Trump] impuser sanções ou barreiras tarifárias direcionadas, como ele sugeriu, é claro que isso nos afetará. Aí teremos que considerar o que fazer”, disse.
“Também pode haver alguns aspectos indiretos. Se ele [Trump] colocar tarifas altas sobre produtos chineses, isso pode ter um impacto sobre nós”.
Schaldemose é membro do grupo parlamentar Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas. Sobre as chances de o triunfo de Trump insuflar o populismo de direita na Europa, ela opina que há um clima de insatisfação entre os eleitores em temas como a imigração, o que precisa ser entendido pelas forças progressistas.
“Olhando para o Parlamento Europeu, vemos que muitos mais membros desejam que a UE aja de forma mais direta sobre a imigração. Então, a imigração definitivamente está voltando à agenda”, afirmou.
Schaldemose negociou no Parlamento Europeu o Digital Services Act [Ato de Serviços Digitais], que trata da regulação de conteúdos pelas redes sociais.
Nesse campo, ela vê a experiência brasileira, inclusive o bloqueio do X por causa do descumprimento de determinações do STF (Supremo Tribunal Federal), como um modelo.
“Percebi que há uma conexão verdadeira e clara entre como vemos isso na UE e como o Parlamento Brasileiro vê essa questão. Fiquei realmente feliz em ver esse desejo de garantir que Elon Musk [bilionário dono do X] cumpra as regras do Brasil”, disse.
“Precisamos regular de maneira que criemos um conjunto aberto de regras, que garanta a liberdade de expressão, mas também proteja as sociedades e os cidadãos. Aqui, acho que o Brasil e a UE têm uma visão muito parecida. Acho que o Brasil foi um pouco mais firme, o que é bom, porque ficou claro que Elon Musk, se quisesse operar no Brasil, precisava cumprir as regras.”
RICARDO DELLA COLETTA / Folhapress