Bolsonaro agora martela sobre democracia após acumular evidências golpistas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tem buscado, em uma série de entrevistas recentes e em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo no domingo (10), posicionar-se como um defensor da democracia. Ele, porém, acumula uma série de declarações de tom golpista e é alvo de inquérito da Polícia Federal que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado para mantê-lo no poder após a derrota nas eleições de 2022.

Nos quatro anos em que esteve à frente da Presidência, Bolsonaro muitas vezes utilizou a democracia como arma retórica, posicionando-se como defensor do sistema cujos fundamentos tentava minar.

Após a vitória do aliado Donald Trump nos Estados Unidos, o ex-presidente dobrou a aposta na estratégia. No artigo recente publicado pela Folha de S.Paulo, ele afirma que a esquerda tem dificuldade de reconhecer a derrota e diz que a direita seguirá defendendo a liberdade e a democracia.

A pesquisadora Marina Slhessarenko Barreto, do núcleo Direito e Democracia do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), afirma que as recentes declarações do ex-presidente não revelam apenas uma contradição, diante de suas investidas antidemocráticas, mas também uma tentativa de reposicionamento.

“[Ele faz] assim como outros líderes autoritários que buscam se colocar como bastiões da democracia, tentando normalizar suas posições como se estivessem no campo democrático. O que eles querem é subverter o jogo democrático.”

Por isso ela afirma considerar um “erro grave” a publicação do artigo pela Folha de S.Paulo. “Ele se coloca não como um ex-presidente inelegível, mas como um candidato político viável para 2026. (…) Ao conceder espaço, a Folha legitima esse tipo de discurso.”

Bolsonaro foi condenado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e está proibido de disputar eleições até 2030 por causa de mentiras e ataques ao sistema eleitoral ao longo de 2022. Apesar disso, diz que buscará a candidatura em 2026.

Cientista político e professor da FGV, Cláudio Gonçalves Couto afirma que as declarações sinalizam uma intenção de Bolsonaro de montar uma defesa discursiva e de se colocar novamente no debate público, com vistas às próximas eleições presidenciais.

Mas, de acordo com o pesquisador, não há nenhuma virada no discurso. A diferença é que o ex-presidente brasileiro parece mais à vontade depois da vitória de Trump.

Couto ressalta que, na realidade, a concepção de democracia externada por Bolsonaro é “majoritária e não pluralista”, assim como a de outros líderes populistas, como Viktor Orbán, da Hungria.

“É um tipo de posicionamento muito comum a lideranças populistas no mundo todo. Elas não se declaram contra a democracia. Pelo contrário, elas se dizem a favor. O problema evidentemente está no que elas concebem como democracia”, afirma Couto.

Desde o início do século 20, foram muitas as tentativas de conceituar a democracia, mas o ex-presidente mostrou pouco apreço pelo modelo mesmo se considerada sua definição mais minimalista. Em 1942, Joseph Schumpeter a caracterizou como o sistema no qual governantes chegam ao poder por meio de eleições competitivas.

Ao longo de seu mandato, o ex-presidente questionou seguidas vezes a segurança das urnas eletrônicas, que o elegeram por mais de 30 anos, sem apresentar nenhum indício de irregularidade, insuflando sua base de apoiadores para o caso de uma eventual derrota. Em várias ocasiões, deu a entender que não aceitaria outro resultado que não sua reeleição.

À época, disse que a fraude estaria no TSE, atacando com palavrões Luís Roberto Barroso, ministro do tribunal e do STF (Supremo Tribunal Federal). Os ataques ao Judiciário foram marcantes em sua gestão, em uma aparente tentativa de minar o sistema de freios e contrapesos que colocava limites em seu poder.

Em ato do 7 de Setembro de 2021, por exemplo, Bolsonaro lançou bravatas contra o STF, exortou desobediência a decisões da Justiça e disse que só sairia morto da Presidência.

Ele também citava com frequência as Forças Armadas, insinuando que poderia tomar alguma medida extrema como estado de sítio, especialmente em meio à pandemia da Covid. “O meu Exército não vai para a rua para obrigar o povo a ficar em casa”, disse em março de 2021.

Naquele ano, o ex-presidente enfrentou uma crise institucional com os militares, dos quais cobrava mais apoio. Os chefes do Exército, Marinha e Aeronáutica pediram renúncia conjunta em resposta à demissão do general Fernando Azevedo, que ocupava o Ministério da Defesa.

Depois da derrota em 2022, Bolsonaro demorou mais de 45 horas para se pronunciar. Quando falou, disse que as manifestações golpistas eram fruto de indignação e de um sentimento de injustiça em relação ao processo eleitoral.

Os protestos antidemocráticos organizados por seus apoiadores se espalharam em frente aos quartéis. Em dezembro, eleitores de Bolsonaro vandalizaram Brasília. Ele não reconhecia a derrota publicamente e não tentava desmobilizar os atos golpistas. Também não passou a faixa para Lula (PT).

Naquele período, circulavam no entorno de Bolsonaro minutas que buscavam fundamentação jurídica para reverter o pleito. Uma delas, um esboço de um decreto para o ex-presidente instaurar estado de defesa na sede do TSE, foi encontrada pela PF em janeiro de 2023 na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

Ex-comandante do Exército, o general Marco Antônio Freire Gomes disse à Polícia Federal ter sido convocado por Bolsonaro para uma reunião em dezembro de 2022 em que se discutiram propostas golpistas, incluindo uma dessas minutas.

Em 8 de janeiro, seus seguidores invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes.

Bolsonaro já afirmou que não houve tentativa de golpe em seu governo e que não existe golpe via estado de sítio. “Agora o golpe é porque tem uma minuta do decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenha paciência”, disse durante protesto em fevereiro deste ano.

Na semana passada, em entrevista ao jornal O Globo, o ex-presidente afirmou que dizia aos ministros para “buscar os remédios dentro da Constituição” com a finalidade de “buscar uma maneira de questionar o processo eleitoral”.

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ATAQUES DE BOLSONARO À DEMOCRACIA

– Tentou minar a credibilidade do processo eleitoral, sem apresentar indícios de irregularidades, e insuflou apoiadores que pediam golpe

– Consultou chefes das Forças Armadas sobre a possibilidade de ações golpistas após a derrota eleitoral em 2022, segundo depoimento dos próprios

– Proferiu seguidos ataques e ameaças contra o STF, numa aparente tentativa de minar o sistema de freios e contrapesos que limitavam seu poder

– Recusou-se a reconhecer o resultado da eleição, mesmo sem haver indícios de irregularidades, e a passar a faixa para seu sucessor

ANA LUIZA ALBUQUERQUE E ARTHUR GUIMARÃES / Folhapress

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