BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) começa nesta quarta-feira (13) a julgar uma ação que questiona as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, conhecida como ADPF das Favelas.
Esse é um dos processos considerados mais delicados dentro do tribunal por lidar com o problema crônico da segurança pública do Rio. O ministro Edson Fachin, relator da ação, vê avanços na redução da letalidade policial desde que o STF começou a discutir o assunto.
O Supremo, porém, vê uma posição conflitante adotada pelo governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL). Nos autos, o governo do estado se mostra colaborativo no cumprimento das decisões da corte; em público, Castro joga para o STF a culpa pelo avanço das facções criminosas.
Um dos sinais observados por ministros do Supremo sobre a postura dúbia do governo do Rio foi dado no fim de outubro. Logo após uma operação da Polícia Militar no Complexo de Israel, que deixou três mortos, Castro criticou as restrições impostas pelo STF no âmbito da ADPF das Favelas.
“Desde que a ADPF está aí, você tem o fortalecimento de cinco grandes instituições criminosas ligadas ao tráfico de drogas. Você tem hoje, no cálculo da polícia, mais de 200 criminosos de outros estados no Rio de Janeiro. Toda a culpa recai sobre as polícias”, disse o governador, em 24 de outubro.
A declaração foi dada sete meses após Castro convidar Fachin para um almoço no Palácio Guanabara, sede do Governo do Rio. O ministro viajou à capital fluminense para dar uma palestra na Procuradoria-Geral do RJ e aceitou o convite.
A conversa girou em torno da ADPF das Favelas e correu bem, segundo três pessoas com conhecimento do assunto. Dois ministros do Supremo ouvidos pela Folha de S.Paulo, sob reserva, disseram que o encontro parecia ajustar os ponteiros entre Castro e o tribunal.
A expectativa não se concretizou. Em reação ao processo no STF, Cláudio Castro passou a articular no Congresso a criação de um projeto de lei que daria mais poder aos estados para definir seus métodos na segurança pública.
“A gente optou durante um bom tempo por discutir dentro dos autos do processo, mas com a explosão de criminalidade é importante que esse debate venha a público. A gente espera [que se reconheça] que essa falsa sensação de diminuição de letalidade, que parece ser um sucesso da ADPF, tem um alto custo para a sociedade do Rio de Janeiro”, disse Castro na terça-feira (12), véspera do julgamento.
O Supremo já deu decisões cautelares no processo que questiona as operações em favelas do Rio de Janeiro. O julgamento que se inicia nesta quarta é sobre o mérito da ação como se fosse o ato final do STF sobre o assunto.
A sessão do plenário será dedicada à leitura do relatório da ADPF das Favelas pelo ministro Edson Fachin e as sustentações orais das partes envolvidas e dos amigos da corte, que são associações que entraram na ação para dar subsídios ao julgamento.
A segunda etapa do julgamento, com a votação dos ministros, pode ficar para 2025.
A ADPF das Favelas foi apresentada pelo PSB em 2019. Fachin deu as primeiras decisões no processo em 2020 ápice da pandemia de Covid-19. A maioria das decisões foram referendadas pelo plenário do Supremo. As medidas envolvem, entre outros pontos:
Uso de câmeras nas fardas dos policiais do Rio;
Plano de redução da letalidade policial, com metas e prazos;
Aviso prévio às autoridades de saúde e educação sobre operação em comunidades;
Envio de ambulâncias para operações que podem resultar em confronto;
Publicidade e transparência de protocolos de atuação policial;
Direito dos familiares das vítimas de acesso à investigação.
Nos dois primeiros anos de tramitação do processo, o Supremo recebeu uma dezena de documentos que diziam que o Governo do Rio de Janeiro descumpria as decisões judiciais.
O descumprimento teria acarretado em operações violentas em comunidades do Rio. O caso mais emblemático foi a operação da Polícia Civil do RJ na comunidade do Jacarezinho, em 2021, que deixou 28 mortos a ação policial mais letal da história da cidade.
Depois de novas decisões e pressão da sociedade civil, o governo local mudou de postura. “Consideramos que o Estado do Rio de Janeiro apresentou relevante colaboração para assegurar o cumprimento das medidas estabelecidas pelo STF”, diz trecho do relatório final do Núcleo de Processos Estruturais e Complexos do Supremo.
Levantamento feito pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro mostra que a letalidade das ações policiais reduziu em 52% em quatro anos. Foram 1.814 mortes em 2019 e 871 em 2023.
Nos quatro primeiros meses de 2024, a redução da letalidade policial caiu para 64% em comparação com o mesmo período de 2019 no mesmo período, o cenário nacional apresentou aumento de 8% de mortes por intervenção do Estado.
Edson Fachin, ao liberar o caso para julgamento, comemorou os resultados da ADPF das Favelas.
“Com a decisão de mérito, abre-se a oportunidade de inauguração de um novo e final ciclo de monitoramento que possa prenunciar o encerramento desta arguição de descumprimento de preceito fundamental, no sentido de consolidação de medidas estruturais com resultados comprovadamente positivos ao bem comum, ao interesse público, à segurança pública e à proteção de direitos fundamentais”, diz.
CÉZAR FEITOZA / Folhapress