‘Não estou aqui para ser finalizado pelo Parkinson. Estou aqui para lutar’, diz Rickson Gracie

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Rickson Gracie é considerado um dos maiores nomes do jiu-jítsu brasileiro. Ele construiu sua reputação em meados dos anos 1980 e 1990, com lutas emblemáticas —e violentas— acompanhadas por milhares de pessoas no Maracanãzinho, ou rodeado por alguns poucos alunos e amigos nas praias do Rio de Janeiro.

Filho de Hélio Gracie, o responsável pela adaptação do jiu-jítsu trazido do Japão —no que ficaria popularmente conhecido como jiu-jítsu brasileiro— Rickson ganhou fama no universo das lutas por meio do “Desafio Gracie”.

Nele, enfrentava adversários oriundos de outras artes marciais, como judô e luta-livre, para provar a eficiência do jiu-jítsu, em um embrião do que viriam a ser as competições de MMA (Mixed Martial Arts) como o UFC (Ultimate Fighting Championship), co-criado por seu irmão Rorion.

Segundo o próprio Rickson, seu cartel soma mais de 400 lutas e nenhuma derrota.

Aos 64 anos e vivendo na Flórida, o mestre das artes marciais agora precisa lidar com o adversário mais duro da carreira: o Parkinson, diagnosticado em meados de 2021.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, Rickson conta como recebeu o diagnóstico, fala sobre os tratamentos e as mudanças de rotina. E diz que enfrenta a doença como mais um dos muitos adversários que encarou nos tatames.

“Não estou aqui para ser finalizado pelo Parkinson. Estou aqui para lutar contra o Parkinson”, afirma ele, que acaba de lançar o livro “Conforto na escuridão”, em que fala de maneira transparente sobre a doença e aborda momentos importantes da carreira e da vida pessoal.

As brigas com os irmãos e a morte do primogênito Rockson, em 2000, também são temas presentes na obra.

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PERGUNTA – Como o sr. recebeu o diagnóstico de Parkinson?

RICKSON GRACIE – Aceitei com naturalidade, mesmo porque já fiz muito com o meu corpo. Então talvez isso tenha sido, não uma mensagem, mas uma parte do meu destino que está aí para me completar como pessoa, como ser humano. Por que agora tenho que aprender a usar o jiu-jítsu invisível, tenho que aprender a minha capacidade de superação. Agora tenho que realmente evoluir para um lado muito mais espiritual do que o lado físico. Por muito tempo na minha vida, lutei para ganhar. Agora pretendo vencer sem lutar. Usando melhor a minha cabeça, meu controle emocional.

P – O sr. diz no livro que não chegou a ficar surpreso com o diagnóstico, porque seu corpo já vinha dando alguns sinais. Quais foram eles?

RC – O que comecei a sentir, que foi meio transformador, foi a percepção de que comecei a ficar mais devagar com meus movimentos. Comecei a ter um tremor na mão. Isso me tirou da realidade, do meu conforto, do meu autocontrole físico. Mas vejo o Parkinson como um outro inimigo, como mais uma luta na minha vida. Não estou aqui para ser finalizado pelo Parkinson. Estou aqui para lutar contra o Parkinson, ser feliz, positivo, mostrar que isso é uma adversidade que muita gente pode ter.

P – Como tem sido o tratamento?

RC – O médico comum me deu um remédio e mandou fazer exercícios e esperar. Mas por meio da busca de vários curadores e maneiras diferentes de interpretar essa doença, comecei a mudar minha vida. Parei de comer carne, de beber cerveja e vinho, comecei a fazer jejum, a tomar suplementos de todo tipo. Troquei a água da minha casa por água ozonizada. Uma série de coisas que ninguém me mandou fazer, mas fui pesquisando e mudando, e agora sinto que estou na melhor condição possível para lutar contra o Parkinson. Faço fisioterapia cinco vezes por semana. Estou lidando com o Parkinson com respeito de um grande oponente, mas com a esperança de conseguir vencer.

P – A rotina mudou?

RC – Deixei de fazer algumas coisas, não só por conta do diagnóstico, mas também por algumas lesões crônicas. Tenho problemas na coluna, de lombar, várias hérnias de disco, o meu corpo está bem batido. E não tenho nenhuma reclamação com relação a isso. Para mim, todas as minhas lesões servem como medalhas de reconhecimento do que consegui atingir. Pensar nos meus machucados não me deixa constrangido, e sim orgulhoso de ter usado ao máximo o meu corpo na representatividade do jiu-jítsu. Isso faz com que entenda que qualquer parte energética, física, que ainda tenha para usar, vou usar. Mas agora é diminuir o ritmo. Adorava surfar, parei de pegar onda, adorava treinar jiu-jítsu, parei de treinar, só dou aula atualmente. Mas continuo seguindo a minha vida feliz e otimista. Vou à praia todo dia, mudei da Califórnia para a Flórida, e está sendo ótimo porque aqui o mar é muito mais prazeroso.

P – O sr. também aborda no livro divergências que teve com seus irmãos Rorion e Royce, em especial no início do UFC e de sua trajetória profissional no Japão. Ficou alguma mágoa?

RC – Na época fiquei magoado, sim. Achei que não era uma coisa que representava uma harmonia entre irmãos, porque sempre fiz muito por eles, e na hora que precisei, ninguém fez por mim. Mas vejo que o mal que foi feito para mim resolveu se transformar no bem que mereci no futuro. E entendo que o perdão é uma maneira de me liberar do problema. Se não perdoo, até hoje teria raiva, uma certa acidez dentro do corpo, porque não liberei essa raiva. Perdoar não quer dizer que vou dar a chance para acontecer de novo o mesmo problema. Mas faz com que eu libere essa energia, essa raiva.

P – O sr. tem alguma frustração por não ter lutado no UFC?

RC – Na época em que meu irmão [Rorion] criou o UFC, ele pensou em colocar o Royce, que era um cara que não era tão bom como eu, mas era um bom representante. E o Rorion já não tinha o controle que tinha no Royce sobre mim. Fiquei um pouco chateado na época, mas depois fui para o Japão e fiz minha carreira com muito sucesso. Só não aconteceu de lutar no UFC, mas o que a gente pode fazer…

P – Desde Royce, no início dos anos 1990, que a família Gracie não tem campeões no UFC. O que pesou para isso?

RC – A evolução do MMA como um todo, que se tornou um esporte muito competitivo e difícil de prever quem vai ganhar. As pessoas lá atrás não tinham conhecimento de luta de chão como têm hoje. Ficou muito mais difícil para o atleta, de uma forma geral, ganhar na competição de MMA. Todo mundo treina chão, trocação em pé, wrestling. Ficou muito mais equilibrado.

P – Em “Conforto na escuridão”, o sr. relata o golpe que sentiu com a morte de seu filho Rockson. Como a perda afetou sua vida?

RC – Com a partida do meu filho, entendi que não existe amanhã. O amanhã pode nunca acontecer. E essa ideia fez eu entender que o meu dia tinha que ser muito mais bem aproveitado. Antes, se minha filha chegasse para mim e falasse que precisava conversar comigo, eu responderia: ‘Meu amor, vou pegar onda, quando voltar a gente conversa’. Hoje, se estiver na estrada indo para o aeroporto para uma conferência importante no Japão, e minha filha me liga chorando e diz que precisa conversar, paro o carro no acostamento e dou a atenção que ela precisa. Depois de perceber que você pode não ter o amanhã, fiquei muito mais atento com relação ao meu dia de hoje. Sou muito mais presente para meus outros filhos, para meus alunos, para minha esposa, para minha vida, porque hoje dou um valor maior do que eu dava antes da partida do meu filho.

LUCAS BOMBANA / Folhapress

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