BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) da ação que questiona as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, conhecida como ADPF das Favelas, começou nesta quarta-feira (13).
Mesmo sem apresentar os votos, os ministros do Supremo fizeram piadas sobre a omissão da Polícia Militar do Distrito Federal nos ataques de 8 de janeiro e sobre a atuação da polícia de São Paulo no assassinato de Antônio Vinícius Gritzbach, delator do PCC (Primeiro Comando da Capital).
“Todo mundo reclama da Polícia Militar. Mas quando a coisa aperta, todo mundo chama a Polícia Militar. Essa é a pura verdade no Brasil todo”, disse o ministro Alexandre de Moraes. Ele defendia que as críticas aos policiais militares que recorrem à violência contra inocentes não fossem generalizadas para toda a corporação.
O decano Gilmar Mendes, porém, respondeu: “Foi a PM do DF que veio defender o Supremo”.
O clima era amistoso entre os ministros. Moraes seguiu a provocação, dizendo que o erro da PM do DF relacionado ao 8 de janeiro “já está sendo resolvido”. “Se fosse a Polícia Militar de São Paulo isso não teria ocorrido. Isso eu posso garantir”, disse.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, então comentou com ironia o assassinato do delator Gritzbach para rebater os comentários de Moraes. “O denunciante do PCC psicografou uma mensagem aqui que não foi bem defendido pela Polícia Militar de São Paulo”, disse Barroso.
A ADPF das Favelas é um dos processos mais delicados dentro do tribunal por lidar com o problema crônico da segurança pública no Rio de Janeiro.
Desde o início das decisões tomadas pelo Supremo no processo, a letalidade policial no Rio caiu em 52% de 1.814 em 2019 para 871 em 2023.
O julgamento do mérito, iniciado nesta quarta, deve referendar decisões cautelares tomadas nos últimos cinco anos e definir novas medidas como se fosse o ato final do STF sobre o assunto.
A sessão desta quarta foi dedicada à leitura do relatório da ação, do ministro Edson Fachin, e à sustentação oral de 26 representantes das partes ou de associações ligadas à segurança pública. Não há data para a retomada do julgamento, com o voto dos ministros.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), acompanhou toda a sessão no plenário do Supremo. Ele tem intensificado desde outubro críticas às novas regras impostas pelo STF para a ação policial em comunidades do estado.
“Desde que a ADPF está aí, você tem o fortalecimento de cinco grandes instituições criminosas ligadas ao tráfico de drogas. Você tem hoje, no cálculo da polícia, mais de 200 criminosos de outros estados no Rio de Janeiro. Toda a culpa recai sobre as polícias”, disse o governador, em 24 de outubro.
O advogado do PSB Daniel Sarmento, que assina o pedido de abertura da ADPF das Favelas, afirmou que o discurso adotado pelo governador não se sustenta.
“O Governo do Rio de Janeiro tem que parar de tentar transformar o Supremo Tribunal Federal como bode expiatório para sua incompetência em enfrentar a criminalidade organizada”, disse.
Sarmento argumentou que o objetivo da ação era levar a democracia e a Constituição para territórios que não usufruem dos direitos garantidos desde 1988.
“Corpos negros nas favelas ainda são torturados, ainda são executados. É como se pairasse um estado de exceção permanente, um AI-5 piorado em que nem o direito à vida é devidamente salvaguardado”, afirmou o advogado.
O procurador-geral do Rio de Janeiro, Renan Miguel Saad, afirmou que a ADPF das Favelas tenta definir que a Polícia Militar só pode atuar em comunidades do Rio de forma excepcional.
“O que se busca é a excepcionalidade da atividade policial, contrariando o próprio contexto da Constituição. O artigo 144 da Constituição é cristalino ao dizer que a polícia, sobretudo a militar, tem que ser ostensiva. E ostensiva significa, na tradução pura e simples, estar à vista”, disse Saad no julgamento.
A ADPF das Favelas foi apresentada pelo PSB em 2019. Fachin deu as primeiras decisões no processo em 2020 ápice da pandemia de Covid-19. A maioria das decisões foram referendadas pelo plenário do Supremo. As medidas envolvem, entre outros pontos:
Uso de câmeras nas fardas dos policiais do Rio;
Plano de redução da letalidade policial, com metas e prazos;
Aviso prévio às autoridades de saúde e educação sobre operação em comunidades;
Envio de ambulâncias para operações que podem resultar em confronto;
Publicidade e transparência de protocolos de atuação policial;
Direito dos familiares das vítimas de acesso à investigação.
CÉZAR FEITOZA E ANA POMPEU / Folhapress