SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O longo tempo de espera para agendar e aguardar uma consulta médica para tratamento de diabetes é a principal dificuldade apontada pelas populações mais vulneráveis no país. É o que sugere a pesquisa Radar Nacional sobre Tratamento de Diabetes no Brasil, do Vozes do Advocacy em Diabetes e Obesidade, realizada pela consultoria Imagem Corporativa.
Para o levantamento, foram entrevistados 1.843 adultos (acima de 18 anos) com diabetes, de 1º de julho a 22 de agosto de 2024. A coleta dos dados foi realizada pelo Instituto Qualibest. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. O nível de confiança é de 95%. Na fase de processamento, os dados foram ponderados segundo o perfil dos que têm diabetes na Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE, de 2019, e dados de posse de planos de saúde segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
De forma geral, quanto às consultas, os números mostram a ineficiência no acompanhamento da doença. Em 13% dos casos, o médico não sugeriu periodicidade. Do total, 10% não costumam passar por consultas e 6% o fazem com frequência menor do que deveriam. Outros dados refletem descontrole no monitoramento da glicose no sangue: 30% estão com a hemoglobina glicada superior a 7% e 42% não sabem ou não lembram o percentual.
Vanessa Pirolo, coordenadora do Vozes do Advocacy em Diabetes e Obesidade, afirma que o objetivo da pesquisa é chamar a atenção para o fato de que não se dá a devida importância ao diabetes.
“Vamos levar esses dados para o Ministério da Saúde e algumas secretarias de Saúde com que temos contato. Estamos tentando uma reunião com o governador [de São Paulo] Tarcísio de Freitas. Queremos construir políticas públicas para melhorar o acesso ao tratamento de diabetes no Brasil”, diz Pirolo.
“Por exemplo, tem um projeto de lei que está parado em Brasília para colocar o teste de ponta de dedo nas urgências e emergências. Estamos nessa luta desde 2018. Quando a pessoa está doente e busca um serviço de emergência, ninguém faz o teste de ponta de dedo [para avaliar o nível de glicose no sangue]. Algumas pessoas, como procedimento, recebem soro glicosado. Se o paciente tem diabetes, entra em coma”, comenta Pirolo.
O estudo ainda revela que 58% fazem acompanhamento com médico de família, e não com um endocrinologista. Na avaliação de Vanessa Pirolo, contudo, o médico de família e o clínico geral nem sempre estão por dentro das mudanças no protocolo de diabetes do SUS (Sistema Único de Saúde) e das novas tecnologias implementadas.
A falta de um tratamento adequado e rápido pode causar doenças associadas. Dos entrevistados, 54% disseram estar na fila para consulta com oftalmologista havia mais de três meses.
Os mais vulneráveis e dependentes da rede pública de saúde têm os piores desfechos, de acordo com as notas atribuídas pelos entrevistados na pesquisa.
As populações das classes D e E deram notas 2,9 e 3,6 para a demora em agendar consulta médica e o tempo de espera para o atendimento, respectivamente. As médias também foram baixas por quem se autodenominou da cor preta 2,9 e 2,4, respectivamente. Neste grupo há uma dificuldade maior em acesso a resultados de exames e retorno (2,8) e para conseguir medicamentos (3,4).
As notas atribuídas por quem não tem plano de saúde foram baixas nos itens demora para agendamento (4,3) e tempo de espera até a consulta (4,5), quantidade de médicos (5,3) e acesso a resultados de exames e retorno (5,0).
Dependentes do SUS deram notas 4,5 e 4,7 nos quesitos demora para agendamento e tempo de espera até a consulta, respectivamente.
Para o médico Paulo Augusto Carvalho Miranda, presidente da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), a lacuna assistencial para pessoas com diabetes é antiga. O problema está no encaminhamento da atenção primária para a secundária e o médico especialista, e na frequência das consultas. “São duas dificuldades que implicam chance maior de descontrole e tratamento inadequado”, diz.
“É importante entendermos que, num país com mais de 20 milhões de pessoas com diabetes, temos que ter a consciência de que nem todos vão fazer um acompanhamento com um médico especialista. E o ponto mais importante é termos indicadores e uma linha de cuidados que ofereça um atendimento em tempo e nível de complexidade adequados para cada um. Então, boa parte dos pacientes com diabetes podem, sim, ser acompanhado em atenção primária, desde que recebendo tratamento adequado e com indicadores de controle da doença também adequados”, acrescenta Miranda.
“Hoje sabemos que conseguimos estruturar linhas de cuidados, indicadores de qualidade assistencial, de resultados de tratamento que vão propiciar uma boa prevenção das complicações e, portanto, mais saúde para as pessoas. Ainda temos, realmente, muita dificuldade na implantação desses processos dentro do SUS, mas é algo que a gente deve perseguir”, finaliza o especialista.
O Ministério da Saúde afirma que tem reforçado investimento na APS (Atenção Primária à Saúde) com a Estratégia de Saúde da Família como pilar essencial para ampliar o acesso e o cuidado integral, especialmente no combate ao diabetes.
Em nota, disse ainda que o Plano de Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis atualizado até 2030 promove ações integradas contra doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, focando em vigilância, promoção da saúde e assistência. Na APS, pacientes com diabetes recebem acompanhamento nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde), com acesso a medicamentos, insumos e encaminhamento à atenção especializada quando necessário. O protocolo clínico para diabetes é atualizado regularmente para prevenir complicações graves, como amputações.
A pesquisa mostra, ainda, que 72% dos participantes utilizam o SUS para consultas. Mesmo entre os que têm plano de saúde, 26% passam por alguma consulta gratuita para monitoramento da doença.
Das pessoas com diabetes, 67% fazem exames pelo SUS. Os medicamentos gratuitos ou subsidiados pelo governo alcançam 84% dos que têm a doença. A maioria (73%) com convênio médico diz usar
medicamentos gratuitos ou subsidiados;
Do total de entrevistados, 52% consegue medicamentos nas UBSs e 44% recorrem ao programa Farmácia Popular.
PERFIL DOS QUE REFEREM DIABETES
Segundo o estudo, 52% dos que declaram ter diabetes são da classe C e têm renda familiar mensal de até dois salários mínimos. No total, pretos e pardos somam 52%. As mulheres são maioria (58% contra 51%).
Apenas 24% dos participantes do estudo têm plano de saúde.
Em relação à escolaridade, 58% possuem nível fundamental. Quanto à faixa etária, dos diagnosticados com diabetes, 56% têm mais de 60 anos; 42% estão na faixa de 30 a 59 anos.
PATRÍCIA PASQUINI / Folhapress